sexta-feira, dezembro 30, 2005

Ranzinza



A amizade é um incidente geográfico.

Imagem: Leucócito granuloso em meio as hemácias

Conto do primeiro Amor




Atende pelo nome de José o meu primeiro amor. E era mesmo como um José qualquer. Comum, inevitável e absolutamente perfeito como a sílaba átona que o encerra.

Tinha eu 10, talvez quase 11 anos de idade. A forma do encontro atestou sua divindade (embora aos 20 eu tenha me tornado um ser anticlerical). Foi dentro de uma igreja, a mais antiga desta antiga pequena cidade, onde cursávamos o catecismo.

Ele no último ou penúltimo banco, violão em punho, arranhando o que supus serem seus primeiros acordes tortos. Eu em pé, do lado esquerdo da nave principal, senti também pela primeira vez um descompasso do lado esquerdo do peito. Eu invisível aos seus olhos de criança. Ele gravado pra sempre dentro da minha memória.

Descobri, à época, a devoção de José –infinitamente mais fiel ao catolicismo que eu. Ao ponto de atuar como coroinha nas missas de terça-feira.

Eu, que mais me portava como um nativo brasileiro do século 16 (a ponto de ter sido ‘promovida’ rapidamente ao último nível do catecismo em razão dos meus questionamentos constantes dos eventos do Velho Testamento) passei a frequentar religiosamente missas, casamentos ou qualquer evento cristão na qual o pároco dependia da ajuda dos pequenos ajudantes.

A assiduidade, vista somente nas carolas cuja viuvez havia roubado parte de seus afazeres domésticos noturnos, logo me desmascarou. Pouco atenta à liturgia, eu lançava olhares incisivos (que aprimorei ao longo dos anos) ao coroinha envergonhado. Sabia eu que Jesus, em sua bondade infinita, perdoaria tal deslize romântico.

Habilidosa na arte da persuasão, por volta dos 11 ou 12 anos, convenci minha mãe a me transferir para a escola do bem amado. Dois anos depois, a investida de minha cruzada amorosa terminou quase sem ter sido. Como terminam as coisas quando se tem menos de 14 anos.

O terço trancafiado eternamente na gaveta, um baú de boas lembranças com pinceladas de agruras, beijos atrapalhados e a certeza de ter vivido, pela primeira vez e em toda intensidade, o amor.

segunda-feira, dezembro 26, 2005

Contagiante





Se o espírito do Natal é a confraternização.
É estar entre pessoas que amamos --que incluem amigos e família.
Então...
Eu tive um dos melhores que poderia ter.

Que este espírito abasteça o ano de 2006!

;-)

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Stela olha estrelas



VIA-LÁCTEA
XIII

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo

Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,

Que, para ouvi-las, muita vez desperto

E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto

A via láctea, como um pálio aberto,

Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,

Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!

que conversas com elas? Que sentido

Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!

Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e de entender estrelas."

BILAC, Olavo. Poesias. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 23ª edição. 1964, p.53.

* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *
XII

Sonhei que me esperavas. E, sonhando,

Saí, ansioso por te ver: corria...

E tudo, ao ver-me tão depressa andando,

soube logo o lugar para onde eu ia.

E tudo me falou, tudo! Escutando

Meus passos, através da ramaria,

Dos despertados pássaros o bando:

"Vai mais depressa! Parabéns!" dizia.

Disse o luar: "Espera! que eu te sigo:

Quero também beijar as faces dela!"

E disse o aroma: "Vai que eu vou contigo!"

E cheguei. E, ao chegar, disse uma estrela:

"Como és feliz! como és feliz, amigo,

Que de tão perto vais ouvi-la e vê-la!"

BILAC, Olavo. Poesias. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 23ª edição. 1964, p.52

Imagem: Starry Night, de Vicent Van Gogh, Museu de Nova Iorque

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Amor nos Tempos pós Cólera




E na cabeceira: leio "O Amor nos Tempos do Cólera", de Gabriel Garcia Marquez. Excelente, como o Garcia Marques não consegue deixar de ser. ;-)

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Antifeminismo





Cansada de ser o homem da casa, ela sacramentou:
- Melhor esfregar cuecas a usá-las sobre as calcinhas...

Memórias de Minhas Putas Tristes



Sem a possibilidade de escrever como eu gostaria, associada a total falta de inspiração lírica, deixo aqui um texto que realmente vale a pena.
E um bom Natal a todos!
;-)


Trecho do livro "Memórias de Minhas Putas Tristes", de Gabriel García Marquez

No ano de meus noventa anos quis me dar de presente uma noite de amor louco com uma adolescente virgem. Lembrei de Rosa Cabarcas, a dona de uma casa clandestina que costumava avisar aos seus bons clientes quando tinha alguma novidade disponível. Nunca sucumbi a essa nem a nenhuma de suas muitas tentações obscenas, mas ela não acreditava na pureza de meus princípios. Também a moral é uma questão de tempo, dizia com um sorriso maligno, você vai ver. Era um pouco mais nova que eu, e não sabia dela fazia tantos anos que podia muito bem estar morta. Mas no primeiro toque reconheci a voz no telefone e disparei sem preâmbulos:

— É hoje.

Ela suspirou: Ai, meu sábio triste, você desaparece vinte anos e volta só para pedir o impossível. Recobrou em seguida o domínio de sua arte e me ofereceu meia dúzia de opções deleitáveis, mas com um senão: eram todas usadas. Insisti que não, que tinha de ser donzela e para aquela noite. Ela perguntou alarmada: Mas o que é que você está querendo provar a si mesmo? Nada, respondi, machucado onde mais doía, sei muito bem o que posso e o que não posso. Ela disse impassível que os sábios sabem de tudo, mas não tudo: Virgens sobrando neste mundo só os do seu signo, dos nascidos em agosto. Por que não encomendou com mais tempo? A inspiração não avisa, respondi. Mas talvez espere, disse ela, sempre mais sabichona que qualquer homem, e me pediu nem que fossem dois dias para revirar o mercado a fundo. Eu repliquei a sério que numa questão dessas, e na minha idade, cada hora é um ano. Então não tem jeito, disse ela sem o menor fiapo de dúvida, mas não importa, assim é mais emocionante, merda, deixa que eu telefono em uma hora.

Não preciso nem dizer, porque dá para reparar a léguas: sou feio, tímido e anacrônico. Mas à força de não querer ser assim consegui simular exatamente o contrário. Até o sol de hoje, em que resolvo contar como sou por minha livre e espontânea vontade, nem que seja só para alívio da minha consciência. Comecei com o telefonema insólito a Rosa Cabarcas, porque, visto de hoje, aquele foi o início de uma nova vida, e numa idade em que a maioria dos mortais está morta.

Vivo numa casa colonial na calçada de sol do parque de San Nicolás, onde passei todos os dias da minha vida sem mulher nem fortuna, onde viveram e morreram meus pais, e onde me propus morrer só, na mesma cama em que nasci e num dia que desejo longínquo e sem dor. Meu pai comprou a casa num leilão público no final do século XIX, alugou o andar de baixo para lojas de luxo de um consórcio de italianos e reservou-se este segundo andar para ser feliz com a filha de um deles, Florina de Dios Cargamantos, intérprete notável de Mozart, poliglota e garibaldina, e a mulher mais formosa e de melhor talento que jamais houve na cidade: minha mãe.

O espaço da casa é amplo e luminoso, com arcos de estuque e pisos axadrezados de mosaicos florentinos, e quatro portas envidraçadas sobre uma sacada corrida onde minha mãe sentava-se nas noites de março para cantar árias de amor com suas primas italianas. Dali se vê o parque de San Nicolás com a catedral e a estátua de Cristóvão Colombo, e mais além os armazéns do cais fluvial e o vasto horizonte do rio grande da Magdalena a vinte léguas de seu estuário. A única coisa ingrata na casa é que o sol vai mudando de janelas no transcurso do dia, e é preciso fechar todas elas para tratar de dormir a sesta na penumbra ardente. Quando fiquei sozinho, aos meus trinta e dois anos, mudei-me para a que tinha sido a alcova de meus pais, abri uma porta de passagem para a biblioteca e para viver comecei a vender o que estava sobrando, e que terminou sendo quase tudo, exceto os livros e a pianola de rolos.

Durante quarenta anos fui o domador de telegramas do El Diario de La Paz, tarefa que consistia em reconstruir e completar em prosa indígena as notícias do mundo, que agarrávamos em pleno vôo pelo espaço sideral através das ondas curtas ou do código Morse. Hoje me sustento, mal ou bem, com minha aposentadoria daquele ofício extinto; me sustento menos com a de professor de gramática castelhana e latim, quase nada com a crônica dominical que escrevi sem esmorecimento durante mais de meio século, e nada em absoluto com as resenhas de música e teatro que me publicam de favor nas muitas vezes em que intérpretes notáveis passam por aqui. Nunca fiz nada diferente de escrever, mas não tenho vocação nem virtude de narrador, ignoro por completo as leis da composição dramática, e se embarquei nessa missão é porque confio na luz do muito que li pela vida afora. Dito às claras e às secas, sou da raça sem méritos nem brilho, que não teria nada a legar aos seus sobreviventes se não fossem os fatos que me proponho a narrar do jeito que conseguir nesta memória do meu grande amor.

No dia de meus noventa anos havia recordado, como sempre, às cinco da manhã. Por ser sexta-feira, meu compromisso único era escrever a crônica que é publicada aos domingos no El Diario de La Paz. Os sintomas do amanhecer tinham sido perfeitos para não ser feliz: me doíam os ossos desde a madrugada, meu rabo ardia, e havia trovões de tormenta depois de três meses de seca. Tomei banho enquanto passava o café, bebi uma caneca adoçada com mel de abelhas e acompanhada por duas broas de farinha de mandioca, e vesti o macacão de brim de ficar em casa.

O tema da crônica daquele dia, é claro, eram os meus noventa anos. Nunca pensei na idade como se pensa numa goteira no teto que indica a quantidade de vida que vai nos restando. Era muito menino quando ouvi dizer que se uma pessoa morre os piolhos incubados no couro cabeludo escapam apavorados pelos travesseiros, para vergonha da família. Isso me impressionou tanto que tosei o coco para ir à escola, e até hoje lavo os escassos fiapos que me restam com sabão medicinal de cinza e ervas milagrosas. Quer dizer, me digo agora, que desde muito menino tive mais bem formado o sentido do pudor social que o da morte.




"Memória das Minhas Putas Tristes" conta a história de um velho jornalista de noventa anos que deseja festejar a sua longa existência de prostitutas, livros e crónicas com uma noite de amor com uma jovem virgem. Inspirado no romance "A Casa das Belas Adormecidas" do Nobel japonês Yasunari Kawabata, o consagrado escritor colombiano submerge-nos, num texto pleno de metáforas, nos amores e desamores de um solitário e sonhador ancião que nunca se deitou com uma mulher sem lhe pagar e nunca imaginou que encontraria assim o verdadeiro amor. Rosa Cabarcas, a dona de um prostíbulo, conduzi-lo-á à adolescente com quem aprenderá que para o amor não há tempo nem idade e que um velho pode morrer de amor em vez de velhice. A escrita incomparável de Gabriel García Márquez num romance que é ao mesmo tempo uma reflexão sobre a velhice e a celebração das alegrias da paixão.


Imagem capturada de:
http://www.interarteonline.com/Consuelo_Hurtado/altas/Muchachas_en_Flor.jpg

segunda-feira, dezembro 19, 2005

What´s Up?



A internet proporciona encontros e reencontros
fantásticos, gente bacana, novos amigos.

Infelizmente, a rede também reflete o mundo. Como nele,
há gente hipócrita, prepotente, sem nenhum senso do ridículo.

Discusões non sense. Falta de inteligência de pessoas
que não sabem distinguir admiração e tensão sexual.

Comunicar-se com alguém não significa querer transar com essa pessoa.
Pelo menos, no meu caso, é assim. Na net e na vida.

Lamentável, enfim.