terça-feira, janeiro 27, 2009

Domingo





Sweet´a








Ele é um doce. Mas sou eu quem me desmancho em calda.






(Imagem extraída de http://andresantana.wordpress.com/2007/09/05/wallpaper-sweet/ André Santana é artista gráfico e tem ótimos trabalhos)

sexta-feira, janeiro 23, 2009



Ela decidiu que escreveria uma carta, muito embora ficasse receosa quanto ao fato. Pensava: palavras colocadas no papel não se desmancham ao vento e parecem dar importância maior a qualquer fato.

Provavelmente, era mais uma daquelas coisas geradas na infância, mas pequenas demais para serem abordadas com o terapeuta.
Uma vez, tomara uma advertência por escrito de seu professor de matemática da sexta série. Ele costumava falar pouco e nos dias de prova passava de carteira em carteira batendo os dedos indicadores e anulares nas mesas dos alunos: um som baixo, mas absurdamente ensurdecedor. Um dia, numa dessas andanças, o professor alto, magro e careca, de feições quase rudimentares, deixou-lhe um bilhetinho ao lado da prova, sem dizer nenhuma palavra em voz alta: “se copiar do colega, coloco você pra fora”. E ela não estava copiando nada, apenas distraiu-se com uns pássaros coloridos do outro lado da janela. Naquele dia, voltou triste para casa. “Era honesta demais para copiar!”, repetia a si mesma. Sentiu-se injustiçada. Foi ali que aprendeu que palavras escritas doem mais.

Passados 20 anos, ela tinha em mãos o papel e a caneta azul e um tanto falha. Passou mais de uma hora pensando no professor e intercalando lembranças do passado distante com as mais recentes, vividas com aquele que havia tomado parte dos seus pensamentos nos últimos dias.
Ela procurava uma forma de começar tal carta, mas nada lhe saía: nenhuma palavra para preencher a letra cursiva e pouco inteligível que desenvolvera ao longos dos anos.

Olhou para fora e viu uns pássaros coloridos pousados na copa da árvore visível da sua sala de estar. E foi assim que a carta virou um bilhete. Nele, resumiu a sensação tão corrosiva, uma mescla de saudade e mágoa, felicidade e dor. Voltando-se ao papel, escreveu:

“Se não aparecer mais, coloco-te pra fora do meu coração”.

Vida dura



www.malvados.com.br

segunda-feira, janeiro 05, 2009

Escolhas




Acendeu um cigarro e olhou à direita para fitar a paisagem. Mesmo nesses dias cinzentos, o verde vale que começava do outro lado da rua mostrava-se extremamente vibrante. Era verão e as chuvas fortes que castigavam outras regiões da cidade não abalavam as árvores do outro lado da rua. E mesmo as de copa menos farta pareciam passar incólumes aos raios das tempestades que atingiam diariamente essas bandas de cá.

De pernas cruzadas, ela balançava o pé esquerdo apressadamente. Tique habitual a qualquer ansioso sem ansiolíticos. Olhou novamente para o horizonte delineado pelas montanhas, mas a imagem ficara turva em função das gotas da chuva que se tornava mais espessa e atingia o vidro do Café onde ela o esperava.
Abaixou os olhos e quando olhou novamente pela vidraça viu-o entrando pela porta de madeira. Sorriram. Ele se curvara para beijá-la no rosto. Antes mesmo que acomodasse na cadeira pesada de madeira a frente dela, fora indagado de súbito, sem um 'boa tarde' ou outras formalidades usadas para introduzir qualquer conversa.

- Eu sou 'escolhível'?
- 'Escolhível'?, respondeu ele com o sorriso largo que lhe faziam sumir a cor dos olhos azuis, estranhando não só a pergunta, mas por imaginar uma mistura de escolha e sofrível.
- É, você me escolheria?

A dúvida pairava em sua mente há dias desde o momento em que ele revelara sua indisposição para batalhas amorosas. "Nunca escolho quem eu quero, sempre sou escolhido por uma terceira pessoa, que não me interessava em princípio".
A declaração passara em branco no momento da conversa anterior, mas depois soava como um desafio. "As mulheres sempre escolhem. Invariavelmente", havia dito quando o assunto veio à tona na primeira vez.
Mas, posteriormente, uma série de motivos lhe causou o incômodo comparável aquele deixado pelo refluxo gástrico na garganta. Não por ele, mas por ela mesma. A afirmação daquele homem abalara algo aparentemente sólido nela. Passou horas pensando nos seus relacionamentos –os mais revelantes, pelo menos— na tentativa de decifrar em qual grupo de pessoas estava. Caça ou caçadores. Escolhidos (que ela preferia pensar como ‘escolhíveis’, mesmo contrariando a gramática formal) ou selecionadores?

Sim, havia sido eleita algumas vezes. Poucas, comparadas ao "sempre sou escolhido" proferido por aquele homem. Em geral, dela partiam os primeiros olhares e mesmo quando seu interlocutor pensava estar à frente da iniciativa (e partir para o primeiro toque físico) era ela quem o chamava para si, “talvez pela força do pensamento”, como costumava pensar.

Mas o maior incômodo advinha de uma constatação tida 'a posteriori' naquela conversa. Ela descobriu que o achava com “alto potencial para escolha”, pela sua companhia agradável e perspicácia.
Ela começava a gostar de coisas singelas nele, como a forma de seus dentes mais pontiagudos e não necessariamente alinhados –mais evidentes quando sorria.
Às vezes, ele parecia um menino pelo conjunto de sua gestualidade aliado a sua brincadeira com a fonética --trocadilhos ora literatos, ora infantis.
Gostava de sua pele pintada das mãos ao pescoço e do constrate do cachecol preto com seus cabelos vermelhos. Ele tinha um jeito bonito de encostar no carro, embora fosse menos elegante ao fumar do que pressupunha. Todos esses fatores transformavam-no em um ser 'escolhível', pensava. E chegara a essa conclusão apenas depois de racionalizar a incômoda conversa inicial. Por isso mesmo clamava em descobrir se reunia fatores capazes de colocá-la no mesmo grupo: o dos 'escolhíveis'.

Uma lembrança recente interrompeu o fluxo de pensamento que a levava para fora de si, perto dele. No Natal havia recebido um beijo surpresa de outra pessoa.
Acolheu, por alguns segundos e meio envergonhada, a boca macia, quente e úmida de Cabernet Sauvignon daquele que a tinha escolhido. Nunca tinha pensado em beijá-lo antes, desde que se tornaram amigos, mas a estranheza foi substituída por um sentimento curioso, de cumplicidade e segredo, muito embora tal fato não precisasse ser calado. Não fora o início de um romance, nem o fim de uma amizade. Fora algo físico, tanto que ela levara os dedos indicador e médio aos lábios depois do ocorrido e fechara os olhos por um tempo até maior do que o tempo pelo qual as línguas se tocaram. Precisava tocar-se para ter certeza da realização. Fora como a sensação do primeiro beijo, pensou.

Mas as festas de fim de ano já haviam passado e a boca que estava a sua frente não era a mesma do toque inesperado e os olhos ali não eram verdes, mas azuis. O mesmo azul quase oculto pelo movimento dos músculos da sua face provocado pelo sorriso ao ser questionado.

Uma enxurrada de pensamentos surgiam enquanto ela esperava as palavras dele brotarem, mas sua história recente -passada em frames tão rápidos na sua memória quanto inserções subliminares de filmes- tivessem lhe trazido uma autoresposta.
“Todo mundo é ‘escolhível’, independentemente de reciprocidade”, ela concluíra em pensamento. Sorriu e acendeu um novo cigarro. Lá fora, a chuva continuava a atingir o verde vale.

Stela, sob licença poética. Porque nem tudo que é autobiográfico é biografia.



Reprodução do Digestivo Cultural de hoje (http://www.digestivocultural.com.br/)

"Ame-me para sempre. Só não engorde, me aborreça ou envelheça."

Hugh MacLeod, o cartunista global da internet, mais uma vez (via @eduacarvalho).

Julio Daio Borges
2/1/2009 à 00h30

Polaroid




Quando menina, insistia em piscar os olhos com força cada vez que via uma cena merecedora de ser registrada na memória. Era como se o ato físico do piscar conseguisse produzir na retina uma fotografia do momento e, assim, não descartar da memória a felicidade do instante.

Meu sonho, à época, era uma Polaroid –nome da marca, mas que servia pra denominar aquelas máquinas cujas imagens saíam instantaneamente, com a clássica borda branca (um luxo para poucos nos anos 80).

Tinha medo de perder aquelas pequenas peças de felicidade. Achava que as boas coisas da infância ficariam esquecidas um dia –motivo pelo qual eu atribuía a cara sisuda e preocupada dos adultos. “Não se lembram de como foram felizes quando pequenos. Prometo a mim mesma que não vou me esquecer”.

Não queria deixar apagar dias como o que passei com minha família no Horto Florestal, em Campos do Jordão, quando brinquei com os girinos à beira do lago. Queria me lembrar das guerras de mamonas e das amoras que roubava no quintal numa viela barrenta, perto da minha casa. Gostava dos azulejos azuis da cozinha e de dormir de barriga pra cima no quintal, com meu gato ('Fofão', preto, peludo e cego de um olho) debruçado sobre mim e acompanhando o vai e vem da minha caixa toráxica. Eu não era necessariamente feliz naquele período, mas havia uma plasticidade naquela cena da qual me lembro com perfeição. Havia beleza mesmo nos dias tristes, assim como há uma singeleza incomparável nos dias cinzentos de garoa.

Talvez tenha sido naquela época, quando eu tinha menos de oito anos de idade, que comecei a pensar que os dias de chuva, e não os de sol, deveriam ditar a fotografia de todos os encontros interessante do cinema. Uma vez assistira fragmentos de 'Casablanca' e fiquei com aquela emoção produzida pela imagem da chuva no filme. Apertando minhas pálpebras, fotografei na memória aquele instante, talvez o dia em que o amor romântico, mesmo em preto e branco, começara a fazer sentido pra mim.

sexta-feira, janeiro 02, 2009

Fundamental é mesmo.





Ser solteiro não significa ser só. Gosto de chegar em casa, tirar os sapatos e não lavar a louça na pia há dois dias. De ir ao cinema e passear pela beira do rio sem nenhum acompanhante. A diferença é se o verbo está ou não no condicional.
Deve-se querer fazer essas coisas sem um par. Do contrário, teremos a solidão.
Hoje senti um pouco dela. Queria alguém pra ir comigo ao cinema, mas todos os meus amigos que topariam o referido filme comigo estão viajando ou ocupados.
Aproveitei para tentar visitar um casal de amigos. Não rolou. Estou feliz porque continuarei no trabalho em 2009, o que era uma incógnita a todos servidores em cargos de comissão após as eleições municipais. Queria compartilhar com alguém meu entusiasmo. 2009 soava-me desafiador, com novo chefe e a qualificação do mestrado já em maio. Agora, com a definição do meu trabalho, estava mais tranquila, mas ainda sem ninguém pra comemorar (o Henrique ficara na casa do pai). Também ganhei um lenço lindo de presente da estagiária que trabalha comigo. Aparentemente pequenas coisas, mas grandes o suficiente para me render uma festa interna.
Por essas e outras me senti extraordinariamente solitária durante algumas horas.
Substitui a melancolia por rever um filme de tema tão piegas que prefiro o original, em inglês: The Holiday. Eu já havia visto e então não haveria más surpresas: sucesso garantido aqui em casa! Pensei: ver o Jude Law caindo de amores por uma tresloucada insensível seria uma boa. Abri algumas cervejas. Ri e quase chorei com a Kate Winslet --que, ao lado do Jude (para íntimas), está no meu top five de celebridades hollywoodianas favoritas.
Comi um pacote de amendoim. E, confesso, cheguei a dar gritinhos com a "atuação" apaixonante de Mr. Law.
Liguei pra um amigo só pra dizer que ele parecia o Jack Black --uma revelação pra mim aquela hora da noite. Liguei pra minha amiga só pra saber como estavam as coisas em Floripa na noite de hoje.
Vou ouvir Yo La Tengo e ler um quadrinho da Mojo Books (www.mojobooks.com.br) sobre os Beatles que baixei hoje (oficialmente!) de graça do site, graças a matéria publicada nessa data na Ilustrada. Termino o texto no meu notebook cuja última parcela eu pagarei amanhã (viva!).
Tenho que discordar de Vinícius. Fundamental são tantas coisas além do amor. Engraçado mesmo é se sentir feliz sozinho. Como eu termino essa noite.