quarta-feira, dezembro 07, 2011

Um dia qualquer


Acordo um minuto antes daquela mulherzinha que vive dentro do meu celular gritar: "são sete horas e dois minutos. é hora de acordar". Dia 7 de dezembro de 2011. Assim começa meu dia, um dia comum, um dia qualquer. Daqueles em que nada ocorre de incomum. 
Nenhum evento extraordinário. Nenhuma ligação inesperada. 


Ligo para o trabalho para avisar sobre um pequeno atraso - teria que levar meu filho ao médico, marcado há quase dois meses. Eu havia me esquecido a data da consulta, por isso aviso minha chefe em cima da hora.


Recado dado, atravesso mais uma vez a rua movimentada, reclamo pela enésima vez da grama molhada na minha sapatilha. Pego o ônibus. 


Espero pelo atendimento médico ao longo de infindáveis setenta minutos. Mais uma hora relatando uma década de histórico médico do Henrique. Eu deveria ficar feliz com tanta atenção da alergologista, mas só pensava no ponteiro do relógio e no horário do trabalho.


Levo o filhote até a Redação. Recebo umas pautas. Ao me ver no espelho do banheiro, penso em como o meu cabelo está ruim hoje. 


Pego uma carona até minha casa, almoço. Um novo ônibus me leva de volta à labuta. Esqueço o chapéu em casa e escondo meu nariz com as mãos quando estou no sol. Calor. Ar condicionado. Apuro uma pauta me dada ao final da manhã, mas ela é suspensa. Preciso ir à usina. Antes, leio uns textos sobre o tema da vez. Não entendo nada do assunto. Compreendo, mas fico tensa. A entrevista será em inglês. Sobre baterias de veículos elétricos. Com um suíço. 


No local do evento, encontro um colega engenheiro, mais tenso que eu. Preciso falar com ele, que será a ponte entre eu e o suíço. Uma entrevista de outra colega jornalista passa na frente. Sou assessora, prioridade aos demais repórteres, certo. Okay, mas estou ansiosa. 


Espero e converso com o Chris, fotógrafo, marido de uma amiga, a Dani. Penso como gosto de ambos, apesar da pouca convivência. Falamos dois minutos sobre férias e planos em conjunto para nossas crianças. Não tiro os olhos do colega que dá a entrevista: preciso falar com ele antes do fim da pausa do café! Ansiedade. De novo. Vejo o suíço, mas não posso entrevistá-lo sem antes ter um respaldo do engenheiro. Meia hora depois, ele conclui a entrevista e fica "livre" para me ajudar. Explico minha pauta, percebo que ele está tão agitado quanto eu. 


Como um pãozinho com salame. Tomo um suco de uva. Fico solidária com a ansiedade alheia e até sinto uma paz de espírito neste momento. Ela dura cinco minutos. Tenho que fazer a tal entrevista. Em inglês. About technical stuffs I have no idea. Nem o conhecimento de todos phrasal verbs do mundo, meu temor número um nas aulas de inglês, poderiam me ajudar. Smart grid e outros assuntos eletromecânicos na pauta. 


O engenheiro me ajuda, esclarece que as perguntas levariam a um caminho complicado a seguir na matéria... Ligo na Redação. Falo com Flávio, explico para o Lúcio... Tenho que esperar uma deixa, o Lúcio precisa de um material com o suíço. 


A essa altura, o alvo da entrevista volta à sala do evento, vai para primeira filha, olhos vidrados na palestra. Recomendam-me para eu não o interrompa. Assisto à palestra de três pessoas, aguardando o momento da entrevista. A última delas em inglês. Bom, penso com meu fecho eclair, assim vou destravando meu vocabulário técnico. 


São 18h. Consigo conversar com o suíço. Ele é gentil. Mas a entrevista não rende. Ao final, falamos sobre assuntos diversos. Destravo. O distinto senhor é solidário com minha deficiência 'vocabular' e me conta sobre seu aprendizado de italiano. "O difícil não é falar outra língua, é ler o que está nas entrelinhas de cada uma delas". Sorrio, ao lado do colega engenheiro. Conto ao suíço sobre o escritor Luis Borges. Argentino e genial (aos xenófobos, sim, isso cabe na mesma frase), Borges explicou a um amigo, certa vez, porque não escrevia em outra língua, apesar de ser poliglota. "Só em espanhol posso dançar com as palavras", conto ao suíço. Em inglês. 


É o fim do expediente, mas preciso dirigir da usina ao escritório. No caminho, faço a massagem no dorso do nariz, recomendada pelo médico. Dor e fome. 


Chego à estação de trabalho, como o povo da informática chama a mesa com computador (certo?). Abro o Gmail. Duas novas mensagens. A primeira, da minha prima, me lembra sobre o prazo para o pagamento do IR após ganho de capital por transação imobiliária. A segunda diz para mim "nenhum e-mail seu hoje". Respondo. Fecho o computador. 


Queria ver a novela das seis, mas é tarde. Tenho dez minutos até o próximo ônibus. Ligo a TV da Redação. [Personagem da novela] Celina diz algo como: "blá blá blá, depois de uma certa idade, a gente quer um homem com problemas reais, do dia a dia". Penso: sábia Celina! Desligo a TV rapidamente. Pego o livro do Galeano, leio quando o ônibus está parado na problemática rotatória da Avenida Paraná. Vou para o ponto. O ônibus passa em menos de cinco minutos (momento mais feliz do dia). 


Chego em casa. Esqueço de comprar o chocolate que o Henrique pediu. Lembro sobre a necessidade de pagar umas contas - a da internet e do transporte escolar. O condomínio vence em dois dias. Reflito, sem obter resposta: quando poderei me mudar deste apartamento para o outro? Quando o pedreiro deve começar a reforma? Quando poderei comprar o material? Faço o balcão da cozinha de qual material? So many questions. Cotidiano. 


Como um copo de iogurte com granola. Fabi me liga para buscar o colchão. Espero para tomar banho. Ela não vem. Postergo o banho. Organizo minhas contas. Acesso o Facebook. Ligo para minha mãe. Organizo mais documentos. Ouço Chico Buarque no Youtube. Deixo um bilhete com todas orientações para a babá levar o Henrique ao pneumologista amanhã, no horário em que estarei eu mesma no médico para o curativo do nariz. Sinto-me mal por não levar eu mesma ele ao consultório. Mães e culpa caminham juntas. 22h06. Deu por hoje? Não ainda. 


Faço contas dos gastos com o apartamento. Henrique dorme. Vejo mais coisas supérfluas na internet. Banho. Sono. Dia cheio, normal... 


23h53. Concluo este texto para não deixar de lembrar que a vida é assim: uma sucessão frases nem sempre animadoras, mas quase sempre dominadas pelo tempo verbal mais importante: o presente [imperfeito] do qual é feito o cotidiano. Durmo, em paz.