segunda-feira, outubro 29, 2012

Milton, a morte e eu




Foi musical o primeiro pesadelo do qual tenho lembrança (antes que eu começasse a povoar meu R.E.M. com tsunamis). Eu devia ter menos de seis anos de idade e, uma noite, sonhei com um funeral que ocorria em uma estrada de terra, com poucas pessoas seguindo o cortejo. Eu via aquilo de cima de um morro e chorava compulsivamente pela perda daquele que seria sepultado logo mais. Dentro do caixão, no meu pesadelo, estava Milton Nascimento. Como pano de fundo, rolava no playback do meu subconsciente “Bailes da Vida”. “Pé na estrada de terra na boleia de caminhão, era assim”.
  
Talvez o pesadelo tenha sido influenciado pela imagem do velório de Elis Regina, a primeira artista que “vi” morrer. À época, eu tinha cinco anos de idade. Eu nem tinha me dado conta, mas a música já tinha esta dimensão de vida-morte para mim. 
  
Um paradoxo ter sua primeira lembrança de morte justamente com alguém de sobrenome Nascimento. Coincidentemente, foi o mesmo Milton o responsável por fazer com que eu derrubasse lágrimas de emoção durante um show ao vivo. Foi em um show do mineiro, para celebrar o aniversário de São José dos Campos, que eu chorei pela primeira vez por não caber dentro de mim a alegria de participar de um belo espetáculo musical. E quando na pós-adolescência perdi um amigo vítima de leucemia, chorei novamente ao som de “Encontros e despedidas” com aquela esperança de que um dia o reencontrasse em alguma estação. 
  
Não tinha me dado conta do quanto Milton Nascimento fez parte da minha história até zapear a tv neste fim de semana. Ao vê-lo lá, bem vivo após tantos anos do meu sonho de infância, senti como aquela alegria de reencontrar velhos amigos. “A plataforma desta estação é a vida”, pensei. E o velho Milton me fez sorrir novamente.

segunda-feira, setembro 24, 2012

Das coisas que eu gostaria de saber (ou fazer)


Regra de três (sem colar)
Cantar (sem desafinar)
Correr (sem falta de ar)
Tocar piano ou guitarra
Desenhar, grafitar
Sentar como princesa
Dançar tango e mambo
Nadar borboleta
Jogar vôlei
Trocar pneu
Virar estrela.

quinta-feira, setembro 13, 2012

Sobre amizad[]e

Então quando ele a tocou ela, tão incrédula, começou a acreditar em alma. E não havia como amá-lo mais do que ela já o amava, porque como é sabido, não há paixão ou contato físico que supere o amor da amizade. A afeição criada pelo encontro fraternal supera a alegria orgásmica e, assim, estabelece uma simbiose perfeita (do tipo capaz de nos fazer acreditar em coisas etéreas como almas). Não há máscaras a usar ou cair, não há medo, receio ou fraude. A alegria de estar juntos independe do quanto vestido estão: são e serão sempre boa companhia, um ao outro.

Há aquele momento brilhante em que estiveram juntos, mas ele apenas se soma a tudo aquilo que eram antes ou aquilo que continuarão sendo depois. O futuro não causa expectativa: podem ser fraternos amigos ou ardentes amantes, o adjetivo é que menos importa nessa sentença. O substantivo rege essa oração: a amizade e, consequentemente, o amor que dela deriva. 

E ela não precisava cavar um espaço no coração para guardá-lo: há muito ele estava lá, e essa cadeira, conquistada ao longo dos anos, a ele pertencia e era insubstituível. Como havia dito há muitos séculos um certo escritor espanhol, “La amistad multiplica las cosas buenas y divide los males.". A partilha é o que importa.

domingo, agosto 26, 2012

Porque estamos muito, muito perdidos


Estamos muito perdidos porque experimentamos a antagonia da sociabilidade e da misantropia.  Sentimo-nos obrigados a sermos felizes o tempo todo e, ao mesmo tempo,  confortáveis em dissipar aos quatro cantos nossa impaciência com a humanidade. Mau humor virou imagem  para ser compartilhada. Alegria, Prozac. Não aceitamos estágios de infelicidade como parte da vida. Afogados em medicamentos, reclamamos nas redes sociais. Recorremos à internet para reencontrar pessoas que não nos fazem a menor falta. Encontramos aquelas que de quem sentimos a ausência todos os dias. Ansiamos pelo amor, mas discorremos discursos embuídos de cores afeita à sociopatia. Bom, só "os iguais". Perdemos a sinceridade e, quando a encontramos, duvidamos dela. Preferimos prever o pior porque é difícil acreditar no que é bom. Ser honesto demais causa até certa culpabilidade. Trocamos amigos por amores efêmeros. Cosméticos corrigem as falhas do corpo enquanto varremos para debaixo do tapete nossas incoerências. E eu, que penso ser otimista e colorida, só consigo pensar nesse texto muito azedo e monocromático. Estamos mesmo muito perdidos.

quarta-feira, agosto 15, 2012

“You make my day”

E aí ela estava acostumada a viver assim, como se em todos os dias não soprasse nada além de uma brisa suave, incapaz de alterar os contornos de seu fluido vestido ou daquele fio de cabelo que insiste em cair sobre seu olho esquerdo.

A brisa permanecia a mesma e era assim desde que ela deixara alguém em um banco de praça, simplesmente porque não havia nada mais que furacões intransponíveis para eles. Depois daquela noite, todos os dias foram iguais, tomados por uma temperatura estável e por um céu de um azul desbotado e constante.

Embora ela respirasse melhor, era como se colorido contrastante dos dias tivesse desaparecido. Estava enxergando um colorido em 8 bits, nada além. Toda a ilusão romântica, que nela já era escassa há muito, havia se transformado em uma confortável sensação estática de viver. Nenhuma intempérie ou tempestade se abatera novamente sobre seu corpo.
A paz que ela sentia, no entanto, parecia pouco natural para alguém tão naturalmente colorido, como assim a costumavam descrever. Ela havia se esquecido como era enxergar uma com variação superior a 16 milhões de cores. Ou dos efeitos de um trovão ameaçando suas janelas. 

 
E foi assim, diante de uma calmaria sufocante, que ela percebeu a falta que lhe faziam as chuvas. Sim, ela se lembrava vagamente de sentir os pingos d’água atingindo seu rosto e  da sensação do frio cortante entrando por entre suas luvas em um já saudoso inverno. Naquele momento, ela desejou ver raios, ouvir trovões. Ela queria colher tempestade.

Naquele mesmo dia, pôde ver um acúmulo denso de nuvens se acumulando no horizonte. Cúmulus nimbos que subiam a mais de 20 mil pés avisavam que era chegada a hora de transformar a brisa em vento, o azul em luz. A tempestade escura estava muito, muito longe mas ela sabia que poderia alcançá-la. Naquele momento, teve medo, mas sabia simultâneamente que não era uma mulher presa aos dias de brisa. Sentia que a ordem só poderia vir após caos de uma tormenta.

Correu em direção à chuva e, embora tivesse tipo tempo de se vestir e calçar sapatos, sabia que não precisaria deles para encontrar o vento. Quando a água despejou sobre ela e os raios transformaram momentaneamente o escuro do céu em um halo tão brilhante quanto Sirius, ela não sabia qual seria o seu destino, mas estava disposta a tocar o infinito. A chuva havia arrumado os seus dias. E foi assim que ela sorriu de novo.

sábado, julho 28, 2012

Adeus, Playcenter!

O Playcenter, o mais tradicional parque de diversões de São Paulo e o primeiro do Brasil, fecha as portas amanhã e com elas, encerra naquela área de 85 mil metros quadrados a lembrança de muita gente que, como eu, viveu os melhores momentos de sua infância naquele lugar.

Não consigo imaginar meu passado sem as idas ao parque. Na primeira vez, eu era muito pequena para excursionar sozinha, então minha mãe foi junto. Lá vimos a baleia Orca, o cinema 180 e outras atrações como a montanha encantada - para a qual esperamos quase quatro horas para viver alguns momentos naquele barquinho. Nesta mesma vez, soubemos que um dos meninos da nossa excursão, o Carlinhos, havia sido expluso por arrancar a cabeça de um monstro (de mentira, claro) no chute. Foi a primeira vez que "presenciei" um ato de rebeldia. Eu tinha uns seis anos de idade, acredito.

Foto daqui: http://playcentermaniaco.blogspot.com.br/2010/12/do-fundo-do-bau.html


Depois disso, as idas foram ficando mais frequentes. E eu, mais velha, mas não menos sonhadora. Na saída do Cine 180, havia uma barraquinha para venda de artigos de mágica e doces pega-trouxa (a trollagem dos anos de 1980). Era como se fosse o nosso beco diagonal. Meu dinheiro nunca dava para comprar algo além do lanchinho que eu mesma levava, mas com umas modinhas consegui adquirir o primeiro Dadinho que pintava a língua de azul (e minha amiga Miriam, troladora que só, comprou vários!).

Ir ao Playcenter era o momento mais esperado da minha vidinha. A gente costumava ir uma, duas vezes por ano. Mesmo morando pertinho do empreendimento, a grana era curta para o Passaporte da Alegria - que dava direito a brincar em todos os atrativos - e só por isso eu não ia mais. Era tudo tão legal que a Casa dos Espelhos, a Casa dos Monstros e o Splash (a mini montanha-russa aquática) tinham quase a mesma relevência. Tudo era mágico. O cheiro da pipoca, do algodão-doce... Mascar o recém-lançado Babaloo de morango.... Viver tudo isso ao lado de colegas e amigos da escola, como a inseparável Sheila, o Kiko, o Lê... E ainda, aos 14 anos, dar o primeiro beijo (dele) em um garoto pela qual era era mega apaixonada na volta da excursão.


Em 2008 levei, pela primeira e única vez, meu filho Henrique para conhecer o parque. As cores já pareciam desbotadas, não havia mais tanta emoção, eu pensei. Mas para o Henrique foi diferente. A magia estava lá, nele, em seus olhinhos brilhando ao final do dia com tantas luzes. Percebi que o parque podia ter mudado e, de certa forma, decaído (haja visto que perdeu grande parte de sua área por dívidas com a prefeitura), mas a mágica de imprimir bons momentos na nossa memória continuava latente.

Vamos sentir saudades, Playcenter...

Para saber mais, clique aqui para acessar a matéria da Folha.

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Sobre jabuticabeiras e quintais



Tem coisas que a gente só é capaz de aprender quando é criança. Comer jabuticabas é uma delas. Tente ensinar um adulto a comer jaboticabas e bingo: terás a comprovação da impossibilidade do aprendizado tardio de tal atividade. Sempre haverá uma cara enojada da cor branquinha que sai do fruto – ainda que haja alguma semelhança com as uvas, estas mais populares que a prima jabuticaba – ou outro preocupado com os efeitos colaterais. “Dá prisão de ventre”, disseram-me uma vez.

Sorte tive eu, que aprendi pequenininha a comer o fruto redondinho direto do pé, ainda no jardim de infância. Era um tempo em que as escolinhas tinham árvores, sem que isso impactasse nas mensalidades ou aparecesse como um bônus nas propagandas. As escolas tinham árvores porque isso era comum também nas casas de amplos quintais, coisa rara hoje nas grandes cidades.

Naquela época, a gente ficava ansioso pela época de colheita da fruta. Dia a dia, acompanhávamos o crescimento da bolinha verde, que ia mudando de cor com o tempo até ficar quase pretinha. Era uma atividade tão divertida como a de esperar a lagarta virar borboleta.

Observar a jabuticabinha crescer no pomar da escola tranquilizava minha ansiedade de nascença. Quando atingia o ponto, a gente corria até as árvores que me pareciam gigantes para colher os frutos ao alcance das mãos. A diversão continuava a cada frutinha colocada na boca.

Aprendi, naquele tempo, que o sabor da frutinha era uma mistura do suco de sua casca roxea com a polpa branquinha dentro. De tanto analisar, me especializei em saber quando um fruto não estava muito bom – ou já havia sido provado por um passarinho antes. Casquinhas um pouco abertas eram descartadas, mas sempre em um montinho de terra para ver se de lá surgiria outra jabuticabeirinha. Me fazia de passarinha, semeando jabuticabeiras que, para meu desalento, nunca brotavam.

À noite, deitava-me ao lado da minha mãe e irmã e brincava de olhos de jabuticaba, enconstando meu rosto ao dela. Ensinei meu filho a brincadeira, mas não consegui passar adiante meu amor pelas jabuticabinhas. Talvez só nos tenha faltado árvores e quintais.