segunda-feira, outubro 29, 2012

Milton, a morte e eu




Foi musical o primeiro pesadelo do qual tenho lembrança (antes que eu começasse a povoar meu R.E.M. com tsunamis). Eu devia ter menos de seis anos de idade e, uma noite, sonhei com um funeral que ocorria em uma estrada de terra, com poucas pessoas seguindo o cortejo. Eu via aquilo de cima de um morro e chorava compulsivamente pela perda daquele que seria sepultado logo mais. Dentro do caixão, no meu pesadelo, estava Milton Nascimento. Como pano de fundo, rolava no playback do meu subconsciente “Bailes da Vida”. “Pé na estrada de terra na boleia de caminhão, era assim”.
  
Talvez o pesadelo tenha sido influenciado pela imagem do velório de Elis Regina, a primeira artista que “vi” morrer. À época, eu tinha cinco anos de idade. Eu nem tinha me dado conta, mas a música já tinha esta dimensão de vida-morte para mim. 
  
Um paradoxo ter sua primeira lembrança de morte justamente com alguém de sobrenome Nascimento. Coincidentemente, foi o mesmo Milton o responsável por fazer com que eu derrubasse lágrimas de emoção durante um show ao vivo. Foi em um show do mineiro, para celebrar o aniversário de São José dos Campos, que eu chorei pela primeira vez por não caber dentro de mim a alegria de participar de um belo espetáculo musical. E quando na pós-adolescência perdi um amigo vítima de leucemia, chorei novamente ao som de “Encontros e despedidas” com aquela esperança de que um dia o reencontrasse em alguma estação. 
  
Não tinha me dado conta do quanto Milton Nascimento fez parte da minha história até zapear a tv neste fim de semana. Ao vê-lo lá, bem vivo após tantos anos do meu sonho de infância, senti como aquela alegria de reencontrar velhos amigos. “A plataforma desta estação é a vida”, pensei. E o velho Milton me fez sorrir novamente.