segunda-feira, dezembro 16, 2013

Amor é "pejota"




Se você quer estabilidade, esqueça o amor. Amor não é emprego garantido por concurso público, não deposita seu FGTS nem lhe confere as garantias da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Amor não garante seguro desemprego, não te entrega um cartão cidadão da Caixa Econômica. Amor não tem PIS nem Pasep, mas exige esforço ora de estivador, ora de jardineiro.

Na eventual rescisão do contrato, o dispensado sai "com uma mão na frente e a outra atrás", como diria a minha avó.

O amor burla as leis e vem sem nenhum plano de saúde acoplado -- com ele, as dores de peito e angústia são como fila de hospital público em cidade grande.

Por isso, o amor é PEJOTA (leia-se, pêjóta) -- aquela modalidade de contratação cada vez mais comum nas empresas jornalísticas, entre outras instituições interessadas em drilblar o direito dos trabalhadores (ou dos amantes).

Nesta modalidade, pesa ainda a falta de vale-alimentação e, no meu caso, a carência de um vale-transporte aéreo (coisa comum quando o amor está distante por imperativos geográficos).

Aos pejoteiros (nome dado àqueles que trabalham como pessoa jurídica) os direitos previdenciários são deixados de lado, embora a vontade de ficar juntos até a velhice seja sempre a premissa do início do amor. Não há retorno de INSS para coração partido. Em caso de rompimento, ou de velhice solitária, fica-se no desalento pior do que aqueles enfrentados por quem dorme na fila da previdência para marcar uma perícia médica daquela dor no peito cuja cura é o afago dele(a).

Amor é instabilidade mesmo quando tranquilo. É tensão mesmo em paz. Não há "décimo terceiro" porque amor, quando está contratado, é um só. O único concurso público que você pode fazer neste campo é o da solidão. Mas não há alegria maior que a de "pejotar".

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Texto escrito a partir da conversa com os pejoteiros Marcelo Arend e Maria Carolina Florêncio; Daniela Valiente e Christian Rizzy; e dedicado ainda às pejotistas Ana, Flávia e Fernanda Spala.

terça-feira, dezembro 10, 2013

Cascas

Dizem, e confirmo por experiência própria, que o passar dos anos nos amolece por fora e nos endurece por dentro. Enquanto a pele vai perdendo a firmeza de outrora, uma couraça invisível vai nos fazendo perder a ternura e, muitas vezes a fé na humanidade. Acredito que este é o causador de velhinhos azedos, recrudescidos pelas horas do dia.

Ao crescermos, desconfiamos se a frase "Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás" , atribuída a Che Guevara, foi de fato proferida pelo suposto autor, uma vez que o comandante tinha outras facetas além daquela pintada em Diários de Motocicleta. Nas primeiras desilusões amorosas, perdemos o encanto sobre o amor (até que nos apaixonemos de novo).

 

Foto de Guilheme Briggs.

Ao crescer, descobri que o Trem da Alegria – grupo de meus principais ídolos da primeira idade, dos anos de 1980 – era composto por gente de verdade, como eu e você (acredito que a geração seguinte sofra o mesmo com Miley Cyrus, a ex-Hannah Montana). Que Papai Noel não me trazia presentes porque o Sarney afundava a economia brasileira. Mais tarde, ao perceber que a profissão dos sonhos não mudaria o mundo, como pensávamos antes do ingresso na faculdade.

A vida nos empedra porque acreditamos demais nos ganhos, evitamos o fracasso e sofremos pequenas ou grandes injustiças. Petrifica nossa alma quando apanhamos mesmo sendo merecedores de flores. Ou quando uma suposta autoridade nos enfia o dedo na cara, substituindo o diálogo pela força bruta – seja a das palavras ou a da força física.

Diante de tanto endurecimento, como não perder a ternura? O antídoto está na resistência de colocar flores no lugar de pedras no meio do caminho. Que neste fim de ano todos percamos as cascas e tiremos de dentro delas aquele pessoa que já nasceu aprendendo a sonhar. Não importa o quanto estejamos moles por fora ou petrificados por dentro.

terça-feira, outubro 22, 2013

Um dia em Mercúrio



Um dia em Mercúrio tem 2.160 horas de duração. Por ser o planeta mais próximo do Sol, por lá não há dia acinzentado ou tempo nublado. É sempre quente, com temperatura média de 169°C, embora estudos apontem evidências de gelo em suas crateras.

Mercúrio não é Vênus, planeta do amor, mas rege o signo de Gêmeos que aparece no centro do meu mapa astral com o ícone S2 (nunca havia entendido o porquê). Okay, admito que essa última informação é a única inverdade nesse texto, mas acredito que você já tenha percebido minha predileção por dar um certo lirismo – ou diversão – à realidade. Tenho feito isso com mais frequência nas suas últimas 2.160 horas, o tempo de um dia em Mercúrio, o equivalente a 90 dias na Terra. Se fizermos uma contagem regressiva, você sabe quando começa esse dia.

Não sou muito afeita a datas e sou mais astronomia à astrologia. Seja pela ciência ou esoterismo, essa temporada de três meses que passa lentamente fora do nosso planeta também tem me colocado no espaço, feito-me ver estrelas e a fazer declarações piegas, mas sinceras.

Obrigada pelo nosso dia em Mercúrio.

terça-feira, outubro 15, 2013

As vantagens de envelhecer





Ser velho é cansativo, dizem-me por aí os mais idosos. É o sono inconveniente da tarde e escasso nas últimas horas da madrugada, as dores crônicas e o corpo que não acompanha a sabedoria adquirida com o passar do ano, e os amigos vão se tornando cada vez mais raros.

Com o tempo, a gente se torna menos tolerante para certas coisas – isso eu posso atestar já do alto dos meus 36 anos – e mais flexíveis para outras. Ser velho é ser melhor por dentro, acredito eu, mesmo com as manias recrudescidas e a pele marcada.



Mas há um lado encantador da velhice que é a emancipação dada por ela. Ao envelhecer, as preocupações com os padrões impostos pelo bom costume se tornam mais tênues. Não é preciso vestir terno para o trabalho, nem andar com a maquiagem perfeita para atender aos clientes.

Ser velho te livra do sapato de salto e lhe apresenta as pantufas quentinhas e chinelos de dedo fresquinhos. Ser velho permite que você seja meio louco, mesmo dotado de sanidade, porque afinal, “velhos são gagás”, diz o senso comum. Você pode rir alto e falar palavrão, porque pensarão: “ah, ele(a) já não está bom da cabeça”, ainda que você esteja em pleno uso de todas faculdades mentais.

Aquela pochete e sunga podem caminhar juntas na praia, o chapéu e a sombrinha não serão estranhas aos outros em dias de sol e nem pensarão que você é um bom vivant se passar seus dias na praia. Suas rugas lhe darão passe livre para a emacipação, desde que você não se desespere com elas. Ser velho é libertador, acredito, enquanto desfruto minha vidinha sem temer o futuro que me espera.

Stela

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Publicado hoje aqui, ó: http://www.gazeta.inf.br/2013/10/15/as-vantagens-de-envelhecer/

Pra inspirar: http://www.youtube.com/watch?v=HFgi79BbrxI

terça-feira, outubro 01, 2013

De saudade não se vive, nem se morre


De saudade não se vive, nem se morre. Se matasse, essas linhas não teriam sido escritas. Se deixasse viver, não andaria ao meu lado como um amigo imaginário, lembrando-me do que não tenho.
 
Saudade é companhia indesejada. Caminha ao mesmo lado a passos curtos e espreita os caminhos daqueles que dela não querem sofrer.

É a sombra de alguém, de lugares e momentos perdidos no espaço. A saudade é o nome do amor transmutado pela distância, afastados pelos imperativos geográficos ou da vida. Saudade é kriptonita e a presença seu único antídoto. Não se morre dela e nem com ela se vive, apenas se prossegue…

segunda-feira, setembro 02, 2013

O fim da esperança

A iminência de um ataque norte-americano à Síria, provocado pelo suposto uso de armas químicas pelo governo Assad, coloca em xeque não apenas as intenções dos Estados Unidos nessa ofensiva, mas também derruba de vez a ilusão de um governo democrata baseado na “esperança” – um dos slogans da primeira campanha de Barack Obama, eleito em 2008.

Se confirmada, a intervenção militar será a segunda da história* deflagrada por um Prêmio Nobel da Paz, concedido a Obama em 2009.  Na época, ele comandava as iniciativas contra o Afeganistão e o Iraque, com a diferença de que elas haviam sido herdadas de seu antecessor, George W. Bush.



A questão central sobre a possível guerra gira em torno sobre o interesse real da empreitada. Obama consultou o congresso, de quem espera o aval (ou não, sabe-se lá) para a invasão. Os Estados Unidos ainda pagam a conta de suas guerras anteriores, que resultaram em cortes de investimento na área social. Enquanto isso, empresas como a do ex-vice-presidente Dick Cheney lucraram milhões de dólares com a Guerra do Iraque, conforme revelou o Financial Times, em artigo traduzido ao Brasil pela Revista Fórum.

Nem o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) deu o aval ao ataque, o que tornaria a ação ilegal, segundo analistas como o próprio ex-presidente do país, Jimmy Carter. Em 1999, Estados Unidos já haviam contrariado o órgão com a Guerra do Kosovo. A justificativa, sempre ligada às causas humanitárias, não impede a morte de civis.



E se muitos brasileiros se sentem distantes da possível guerra à Síria, nós que vivemos aqui na fronteira, especialmente, não podemos nos calar. Desde o início da imigração árabe no Brasil, Foz do Iguaçu tem recebido sírios, libaneses e outros povos da região que fizeram daqui sua casa e elegeram o Brasil como lar. Resta torcer para que a paz fale mais alto ao Nobel Obama.

* "Obama não seria o primeiro prêmio Nobel a liderar uma intervenção armada contra um país. Esse título cabe a Nelson Mandela, que ganhou o prêmio em 1998 e mandou invadir o Lesoto em 1999.", lembrou meu amigo e jornalista Jean-Philip Albert Struck.

domingo, agosto 11, 2013

Porque o menos ainda é mais

“Viver melhor com menos” é uma daquelas frases-feitas em voga há algum tempo, desde quando começaram as críticas à sociedade de consumo. O conceito autoexplicativo é bonito de se ler, mas difícil de ser aplicado. Somos compelidos o tempo todo a consumir – e, mesmo com pinta de vilão, o consumo é a mola que faz girar a economia.

Sem consumo e pode de compra, o sistema trava. Por este motivo, um dos modos de manter essa engrenagem operando no atual sistema capitalista são políticas como a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). De forma simplista, são os carnês das Casas Bahia e os financiamentos de automóveis que mantêm milhares de empregos. Mas até quando?

As recentes crises do sistema financeiro internacional, os protestos mundiais e outros indícios mostram que o sistema capitalista – e a própria sociedade de consumo – entrou em colapso, situação que pode resultar ou não em derrocada. A economia tem propriedades orgânicas – e como qualquer elemento vivo sofre transformações. E os modelos conhecidos parecem não dar conta do futuro. Para onde iremos então?

Somos reféns e dependentes do consumo, numa relação de total simbiose. Nós nos definimos nossa identidade pelo que compramos e não pelo que somos, como argumenta o sociólogo polonês Zygmunt Baumann.

As reflexões em torno destes temas me levaram à tomada de uma decisão. A partir do dia 14 de agosto, data na qual eu comemoro mais um ano de vida, lutarei contra meus ímpetos consumistas e passarei 365 dias em um jejum específico. Até que eu assopre velinhas em 2014, não comprarei nenhuma peça de roupa, nenhum par de sapatos. Okay, minha atitude pode não colocar em risco o sistema capitalista, nem causar uma demissão em massa, mas já me sinto de certa forma mais livre. É um desafio, já que acredito ter o suficiente para me vestir e calçar por este prazo.

Quero viver melhor com menos. E espero que o mundo encontre uma forma de que todos, especialmente àqueles para os quais “o menos” impera no cotidiano, tenham um modelo melhor de futuro. Ainda que não saibamos qual será.


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Recomendo:

https://www.youtube.com/watch?v=OcPD1pLdkoQ

http://www.youtube.com/watch?v=gECgJbWOppo

http://www.youtube.com/watch?v=in4u3zWwxOM&feature=youtu.be

http://www.istoe.com.br/reportagens/8877_CONSUMO+QUANDO+O+DESEJO+DE+COMPRAR+VIRA+DOENCA

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/05/22/e-mais-facil-dizer-chega-do-que-nunca-para-o-consumismo/

segunda-feira, agosto 05, 2013

Jornal da semana

Queria escrever algo novo, descontextualizado dele, estratégia boa para não parecer assim muito envolvida. Com medo de assustá-lo, decidiu ser melhor tratar sobre qualquer outro assunto alheio às coisas do coração.

A campanha mal sucedida de seu time no Campeonato Brasileiro, a goleada do Barça sobre o Santos e até a anemia de Neymar poderiam dar cabo de um texto. Havia ainda aquela entrevista do Zygmunt Baumann no Café Filosófico, sua única incursão pela TV neste fim de semana. Só Baumann e seus conceitos sobre a fragilidade dos laços humanos tomariam os dois mil toques de sua coluna semanal. Poderia falar sobre a modernidade e o amor líquidos, termos cunhados pelo sociólogo, e isso daria um ar intelectualizado aos seus escritos. Pronto: de tal maneira, mostraria que segue seu caminho da mesma forma com que tocara a vida até agora.

Havia ainda a opção menos cult e antihipster de falar sobre exercícios físicos e a importância do Whey Protein para quem já tem massa cefálica ativa o suficiente, mas carece de músculos à altura de sua disposição para o pensamento.

O texto poderia também ser político-partidário, porque ela poderia citar a investigação do propinoduto tucano nas obras do Metrô de São Paulo e as investigações internacionais sobre o caso. Daí poderia dizer que a suspeita é da ordem de "R$ 400 e poucos milhões" de bufunfa desviada, coisa que deixaria qualquer Maluf com vontade de fazer um túnel a mais na linha do trem da capital paulistana.

Seria bom para eles que ela escrevesse sobre esses fatos cotidianos, “porque é o tipo de coisa interessante para se conversar no café da manhã”, concluiu. Ela comprovaria, em tese, que “tem mais a fazer da vida” do que pensar nele - uma mentira descarada- porque todas as coisas acima perdem a importância quando ele a abraça, instante no qual um calor envolve seu coração e continua em brasa mesmo quando ela está a tocar o dia a dia. 

segunda-feira, julho 29, 2013

Bilhetinho de despedida temporária (contém clichê, livre de spoilers)






Calma, estou de partida, mas você vai comigo nessa bagagem chamada sentimento. Vai embora dentro de mim como as coisas que não podem ser deixadas para trás, como o sotaque da terra onde eu nasci. 

Vou e não te deixo para trás porque você é o que está à frente, nas lentes dos meus óculos, onde lhe enxergarei mesmo sem te ver. Porque você é o futuro construído a partir dos momentos nos quais coloriu o meu passado recente. 

Ao partir, é você que estará no meu sorriso quando eu me lembrar do seu, no traçado de meia-lua da minha boca no momento em que eu me lembrar da sua na minha.

Todos os dias, daqui em diante, conviverei com a ansiedade de te ver novamente com a tranquilidade de ter lhe encontrado – sensação parecida àquela ao me deitar no seu peito, quando seu corpo me fez abrigo, e as batidas do meu coração pulsavam fora de compasso, acima dos 84 batimentos por minuto.

Você vai comigo porque é denso como ósmio e irídio, suave como a noite de Fitzgerald. Um ser oblíquo nessa minha vida de caminhos paralelos. Estou de partida e você também, porque um pouco irás comigo, aqui dentro do meu coração.

segunda-feira, junho 03, 2013

Cartaz




“Tem coisas que só saem da gente por escrito”, era o que estava grafado lá no muro vermelho na rua de pedregulhos irregulares e casas antigas e mortas, caminho obrigatório dela, por onde passava todo santo dia, na volta do trabalho.  Na primeira vez que viu o cartaz, estremeceu.  Correu para sua casa, duas ruas ladeira acima.

Abriu o pequeno portão de ferro e com a porta de vidro principal ainda aberta buscou seu baú posto no canto da sala. Uma sensação de alívio percorreu seu corpo quando encontrou lá todos os seus 15 diários incautos, páginas que guardavam ano a ano seus gritos ocultos. Eles eram sua comunicação silenciosa com o mundo, porque só com papel e a caneta em mãos conseguia ser ela mesma.
Sua comunicação verbal era pífia: costumava trocar “lé por crê”, “pão por chão”. E o pior: em algumas ocasiões esse tipo próprio de dislexia verbal a tinha levado a criar rimas pobres e espontâneas, dessas que a gente vê muito num certo tipo de música na atualidade. Coisas como dor com amor, assim com mim, coração com paixão e solidão.

Uma vez, seu Zé, o dono da venda do bairro, perguntou-lhe: - Como vai seu pai? Sem pestanejar, respondeu: “- Vai bem, mas de casa nunca sai”. A inversão do sujeito, verbo e predicado fora a gota d’água para que desistisse da conversa com as pessoas. O jeito era evitar o diálogo cara a cara. Só com as letrinhas cursivas é que era boa de prosa e de verso.

Por temer que suas memórias fossem também embaralhar a gramática, decidiu não confiar nelas. Assim surgiram os diários e depois, ao perceber que sua escrita era bem melhor que a fala, guardou para si o som de sua voz. Desde então, passou a se comunicar apenas por bilhetes, cartas, muito antes do advento da internet que vocês usam por aí. Por isso, quando viu aquele cartaz no muro vermelho, pensou ter sido para ela o recado. Baú aberto, viu quando uma gota de suor caiu sobre um de seus cadernos, fechados hermeticamente, tanto quanto sua boca.

Recobrou o ar e sem perceber, num tom tão alto que pôde ser ouvida até por quem passava duas ruas ladeira abaixo, disse: “Tem escritos que não saem da gente por coisa alguma”. E voltou a se calar.


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Inspirado na minha capa do Facebook, que coletei no Coletivo Transverso (e de que não sei a autoria exata para citar aqui, infelizmente). Escrito para o Espaço G, da Gazeta do Iguaçu.

segunda-feira, maio 27, 2013

Maroon Five e a pegação de Adam



Adam, o vocalista da banda pop que gosta de se mexer como Jagger e seguidor da preferência do mesmo Mick por top models. Pegando geral desde mil novecentos e guaraná com rolha.

Dias desses vi ao acaso (juro!) um clipe do Maroon 5 que me levantou a seguinte questão: há uma fórmula básica para os clipes da banda no qual sempre estaria presente a fórmula Adam-vocalista-sexy-symbol-sem-camisa-pegador-ferido?

Movida pelo espírito da ciência (imprestável), gastei boa parte dessa minha noite verificando alguns clipes da banda. De um lado do monitor, coloquei meu bloco de notas no qual escrevi palavras-chaves sobre minhas impressões. Do outro, rolava os vídeos do Maroon 5 (leia-se, Adam) do outro.

O resultado desta perda de tempo está abaixo. Se quiser perder alguns minutos de sua vida com algo desnecessário, vá adiante. AVISO ÀS FÃS: ESTE É UM TRABALHO [PSEUDO]CIENTÍFICO. Se acharem ruim, problema de vocês. Aviso aos demais: Não tenho a intenção de ser sexista ou nada parecido neste post. Não tenho culpa se o cara é como o lobisomem da saga Crepúsculo e curte andar sem camisa.

This love


Como tudo começou.
Clipe veio, com menos recursos.
Pegação de Adam e modelo logo no começo, mordida no beiço.
A banda ainda aparecia. TE quero, não quero, te quero, não quero.
Adam mais magro, cueca de fora. Interação com banda e sakuras no concreto.
Adam beija, olha pra camera, mordeção só de calcinha.
Visual teen, munhequeira amarela descontextualizada. "O o oo ooooou ooou"
Efeito ultrapassado lisérgico, mais pegação, blusa vermelha.
E aí apareceu areia no concreto. Tenis Adidas sem merchã.
Modelo magra olha, acarecia perna, Adam cai na areia, mas era uma loira e outra morena? Não entendi.


She Will be Loved


Adam na piscina, lembra da namorada. Ou das namoradas.
Ainda não era Angel, modelo mais baixo orçamento.
Adam tá com uma e quer a mais velha que sensualiza de roupa estampada com o tio de roupão.
Adam acha a mulher do Roberto Justos Cover e beija a Narcisa Tamborendeguy jovem. "Wanna make you beautiful."
Ela é mãe da namorada de Adam, acho, mas ela só queria ser amada.
Banda faz show no barzinho, ele tem a nova, mas quer a mais veia também. Dança com a jovem, mas sabe que panela velha é que faz comida boa.
Pintura estranha ao fundo e ele olha pra madura jovem balzaca que lembra do beijo com o namorado da filha. Ele não quer mais passar o dia todo pensando na mãe da namorada, porque ela também apanha do marido. Narcysa sai atacada e vai pra fonte. A jovem percebe que a mãe abraça o namorado. Uma olha pra outra, eram a mesma pessoa. Adam ainda não usa regata.

One More Night


O resultado da pegação, Adam Pai de família, com dona de casa estilo Angel da Victoria Secret.
Adam Balboa dá uma bitoca na mulher.
Mulher abandona Adam machucado.


Payphone


Assalto, tiroteio, dinheiro na mala. Ah, os caras da banda.
Mulher estilo Angel VS bancária,
Adam cara de nerd pega a pistola e foge com a gostosa, que a essa altura já tá com a roupa abrindo e os cabelos soltos.
Rola um clima na fuga. Adam fodão foge no carro tipo do Speed Racer.
Rapper faz intervenção básica.
Perseguição clichê com explosões, levanta e sacode e poeira.
Adam fica machucado e tira e fica de regata. Spoiler, só que não.

Never Gonna Leave this bed


Adam e namorada Angel da VS tão na cama, no barco, na rua, na chuva, na fazenda. Ela tá de bode, ele tá de bode. Não, eles tão felizes,
Banda aparece por fração de segundos. Adam volta a pegar a namorada no caixote de vidro ambulante.
As invejosa "chora". Ele sem camisa, ela de regata.
Adam hipster, usa wayfarer.
Os dois na cama no BBB. Não, não era o BBB, era na rua mesmo. Ele de cueca samba-canção, colocou uma blusa. Ops, uma regata.
Tipo Yoko e Lennon do pop. Só que bonitos.

Wake up call


Ele tá de bode, ela mentiu pra ele.
Bonitona, mas de roupa não dá pra saber se Angel.
Não, ela tira a roupa.
A banda.
Adam na cama. Pegação. Mais gostosas.
Palavra love, Close caption.
Outro cara pegou a mulher.
Adam fodão, assassino de bandido traidor.
Pole dance, faz parkour. Carrão, mulher. Gostosas amarradas e com desejo.
Pedofilia (medo, somos contra até de brincadeira)? Vegas babe? Striper, mais pole dance. Prisão da banda.
Ele se sente mal. Fez errado, joga corpo.
Explode carro, clichê, mais gostosas. Suruba sugestionada,
Parkour, avião, "Puliça", roda roda, Adam ainda de camisa. tira a camisa, em chamas.

If I Never See Your Face Again com a Rihanna


Como tem Rihanna, acho que não vai rolar Angel da VS.
O vídeo tá carregando.
Adam de roupa, na beira da cama. Mãos da banda. Flash da banda. Foca na Rihanna, foca no Adam.
Rihanna observa. E canta. Todo mundo vestido ainda.
Rihanna arranha o gato. O Adam, claro. A banda até que tá aparecendo.
Rihanna canta, tá sem graça narrar este. A banda aparece, a camisa num sai.
Ah, Rihanna na cama, seduz. Mas Adam só quer Angel que tava no outro clipe.
Adam fodão, não traça Rihanna."Babe babe babe please believe me.."
Fica nesse vai e vai e vem, que ninguém se dá bem.
Adam pega na nunca de Rihanna. E termina vestido, para detonar minha teoria da regata. Damn it.

Misery


Adam cai na rua, Angel de calça coladinha arranca ele do asfalto. Ele pega na bundinha.
Ficam se pegando na perifa. Mordida no lábio. Briga, alisa a bariga negativa. Apanhando de forma cenográfica, atropelado. Se machuca, mas não se fere.
Angel com luva quer cortar o... Adam. Brinca com faca nos dedos, beija, chama a Maria da Penha que o homem tá apanhando, afoga no vaso, mas não revida na mulher que pesa uns 40 quilos.
Atropelado de novo. Essa muié é o capeta, foge Adam pela escada de incêndio, mas o mochila de criança tenta a Angel que fica do mal.
Adam só apanha, mas não tira a camisa.
Pior pancadaria cenográfica de todos os tempos. Ah, o cara da banda. Atropelado também. Adam sangra, como de costume. Acertam outro cara da banda. Coquetel molotov nos caras da banda. Adam corre e fica de camisa.

Love somebory


Adam pelado, mas tecnologia esconde. Vai passando meleca no corpo. Tinta deixa ver os peitinhos dele os caras da banda estão vestidos porque pelado só um, né. Mulher-meleca começa a surgir pra fazer companhia. braços, mãozinha. boca. Passa a mão na bunda, beija a meleca e sugere peitinho (tirem as crianças da sala). Os caras tocam (os instrumentos enquanto Adam pega mulher-meleca-da-VS)
Mulher pega peitos de meleca, muita tinta tola e Adam na pegação. Mulher de biquíni roda e dança. Adam cansou, apaga guria e caras da banda. Tchau Angel. Boca do Adam some. Fim.

Moves like Jagger


Fiquei com preguiça justo nesta aqui.
Adam sem camisa. Deu pra mim, baixo astral.

Minha conclusão é que a fórmula realmente se repete com frequência. Maroon 5 deveria ser Maroon 1, não?

Esse Adam, né? E eu que achava que trocar de top era só mudar a parte de cima pra ir fazer exercício...

quinta-feira, maio 23, 2013

O estupro nosso de cada dia


Na noite dessa quarta-feira (22) uma mulher de 34 anos foi estuprada depois ter seu carro parado por uma pane na Marginal Tietê, próxima à Avenida do Estado. Era 18h30. O criminoso fingiu ser mecânico e ofereceu ajuda à vítima, uma das 16 milhões de pessoas que vivem na maior cidade do País, São Paulo.

A moça, psicóloga, dirigia um Fiat Idea, o mesmo modelo de carro com o qual eu passava pelo mesmo lugar duas vezes por semana. Por três anos, percorri com esta regularidade os 24,5 km da Marginal Tietê. Na maioria das viagens eu estava sozinha. Às vezes, eu passava por ali tarde da noite, mas foi à luz do dia que eu fui ameaçada neste mesmo caminho.

Eu estava em direção da Cidade Universitária, dirigindo com vidros fechados, de óculos escuros de armação azul e lentes grandes, blusa fechada, saia comprida. Todos os veículos das faixas seguiam velocidade regular. Uns 50 km/h, uma boa fluidez, se você considerar que se tratava de São Paulo num dia qualquer de semana.

O tráfego reduziu um pouco e pude ver o motorista da frente acenando pra mim. Achei que era problema no carro. Verifiquei o painel, portas. Nada. A fila foi freando até manter uns 20 km/h. Pude ver melhor o moço do veículo na frente, um carro esportivo, novo, preto. Um Golf ou um Tipo, talvez. Nunca entendi de carro. Fiz um movimento com os braços, com as palmas das mãos para cima. Perguntei séria: “O que?”. O cara colocou a mão esquerda pra fora do vidro. E começou a fazer sinais com os dedos. Um V? Um três? Hum, um dois? Cinco?

Intrigada, olhei no retrovisor dele e vi que ele balançava a mão com polegar e mindinho abertos, os outros três dedos fechados. Deduzi que era um sinal de telefone. O cara parecia dizer: liga pra mim!
Consegui uma brecha, mudei de faixa, acelerei. Ele veio atrás. Da segunda para a terceira faixa, da terceira para a quarta, ficamos nessa dança. O carro me perseguia e foi aí que fiquei com medo. Ele conseguiu emparelhar do meu lado e gritava pra mim. Eu respondi de cara feia: “sou casada!”, mas mantive os vidros fechados.  Eu já era divorciada, mas não pensei em nada diferente. Ele fez um sinal com as mãos e meu conhecimento empírico de leitura labial leu o que ele me disse: “Tenho pau grande. Você gosta?”. Não tenho dúvidas de que esta foi a frase dele.

Acelerei, mudei de faixa de novo. Consegui pegar a pista que eu precisava, a da direita, e subi o pontilhão de acesso à Marginal Pinheiros. Ele sumiu e senti um alívio ao sentir o cheiro fétido do Rio Pinheiros e da empresa de remédios logo após o fim da ponte. Tive medo se continuar sendo perseguida, de ser pega, de ser arremessada na água dos rios. Tudo pareceu muito rápido.

Tive sorte porque meu Fiat Idea não parou como a da psicóloga. Cheguei na USP, falei com uma amiga sobre o incidente, chocada. Meu primeiro questionamento foi: o que eu fiz para provocar isso? Sim, fui seguida na Marginal por um tarado e me senti culpada por alguns momentos. O senso comum apregoa que a culpa é da Eva, que comeu a maçã, certo? Teria eu dado algum indício de sexo livre na Marginal Tietê? Não. Eu não dei, respondi ao meu próprio preconceito.

Okay, você pode achar que isso não é violência, porque não fui tocada pelo estuprador em potencial. Pode parecer que “virou moda” falar de estupro. Eu mesma compartilhei dois textos nesta semana no Facebook sobre as agruras de ser do gênero feminino. Mas o que você não saibe, talvez, é que o que deve sair de moda é mesmo essa violência invisível e falar sobre essas minhas experiências, ainda que negativas, fazem com que eu me sinta mais forte. Que eu reforce para mim que, se pudesse voltar no tempo, teria denunciado todos os agressores que encontrei ao longo da minha vida.

Aos seis anos de idade, um coleguinha meu da escola “primo da prima do meu primo” e seu vizinho tentaram me estuprar na garagem da casa dele, onde eu sempre ia para brincar. O meu amigo tinha sete anos. Seu vizinho, uns 10, 11. Eles me levaram à garagem e disseram: “a gente quer comer você”. Eu pensei que era algo relacionado ao canibalismo. Fiquei assustada e eles me explicaram: “não, tire a sua calcinha, é assim, assado...”. Eu fugi e fiquei embaixo da cama da irmãzinha do meu colega até meu pai me buscar.
Fiquei mais de 10 anos sem falar com este menino, que estudou na minha sala por uns três anos ainda. Nós nos encontrávamos em festas de família, vez ou outra. Já adultos, ele me perguntou: "por que você não gosta de mim, Stela?". Ele não se recordava. Expliquei. Ele ficou envergonhado, jurou não se lembrar. Eu o perdoei. Éramos crianças, certo? Voltamos a ser amigos. Minha raiva passou, mas naquele dia, há tantos anos, um pouco da minha inocência já fora perdida. Talvez eu tivesse que fugir outras vezes. Como, de fato, ocorreu.

A primeira vez que vi um homo erectus foi numa tentativa de estupro. Eu tinha 14 anos, trabalhava numa pequena loja de camisetas. Este cara, que passava de bicicleta todos os dias na frente do estabelecimento e me falava baixarias, um dia entrou no lugar e pediu para experimentar uma roupa. Eu peguei a camiseta e indiquei o banheiro (não havia vestiário). Ele entrou e saiu sem calça, sem cueca. Com um pênis armado pro meu lado. Eu nunca tinha visto um homem sem calças, muito menos naquele estado. Eu corri e peguei o ferro de baixar a porta da loja. Peguei a barra, gritei qualquer coisa e saí, chorando. Pedi ajuda à vizinha, larguei a loja sozinha. E chorei por horas. 

O criminoso – ironicamente cara e vestes de Tiririca, pelo que me lembre -, nunca foi denunciado por mim. Minha mãe reduziu a importância do incidente. Mandou-me trabalhar de volta. O cara não voltou e soube depois, pela minha prima, que ele era carcereiro na Cadeia Pública. Como ela descobriu? Comentando com um e outro sobre o tarado. Antes de mim, era pra ela, que me antecedeu no mesmo trabalho, a quem ele dirigia suas baixarias. Ela também tinha 14 anos de idade.

Em uma dessas incursões de violência, por volta dos 19 anos, eu não consegui fugir. Fui pega não por um desconhecido, mas por alguém com quem eu me esbarrava vez ou outra. Novamente, eu chorei. E “esqueci”.

Nunca havia elencado estas experiências e trazê-las à tona, no papel, é um alívio e uma tristeza. Porque há outras coisas, como ouvir de um chefe que “não contratará mais mulher, porque mulher fica muito doente”. Ou aquela vez que eu menino de rua apertou meus seios no meio da rua, quando eles ainda estavam mal formados. Ou quando um você tem que insistir para um homem usar preservativo, embora alguns deles argumentem que “é como chupar bala com papel” – como se para nós mulheres tanto fizesse a sensação "bala encapada" ou "sem embrulho", e como se fosse um fado nosso esta reivindicação. Ou naquele dia que você quis terminar um relacionamento, por falta de amor ou outro motivo, e levou puxões de cabelo, mordida na mão, entre outras agressões físicas e verbais como "vagabunda, desgraçada".

É triste que este desejo de me expor tenha ocorrido justamente agora, quando esta moça foi estuprada na Marginal Tietê. Mas se ela não se calou, por que devemos nos calar, mesmo a posteriori? E se o silêncio é a conivência, gritemos para que essas histórias sejam denunciadas, punidas, compartilhadas. Eu prometo nunca mais me calar. O estupro nosso de cada dia não merece mais fazer parte de nosso cotidiano.

Stela Guimarães

quinta-feira, abril 11, 2013

O som do oco




Passado o susto inicial da descoberta da infestação, decidiu não mais pensar nas aranhas. Havia desistido de providenciar o detefon mata-tudo, não porque o slogan era ruim (tinha baforado o inseticida tantas vezes e continuava viva que desconfiava da eficiência do seu enunciado). Um pesadelo com sapos e braços mutilados, costurados por teias por humanizadas e bondosos aracnídeos fizeram ela se afeiçoar aos artrópodes de seu quarto. E se estivessem lá para salvá-la? 

As aranhas a tinham levado pelo jardim secreto do oco do seu peito, e isso bastaria para uma redenção.  Sem elas jamais teria percebido esse rombo e já se afeiçoara ao barulho transpondo esse suposto vácuo. “VVvvviiiiiiiim”, era o som desse zunido constante que ricocheteava do seu cérebro para o ouvido e do ouvido para fora. Era a trilha sonora de seu pensamento e pensou: este é o barulho do nada, de quem não tem algo algum obstruindo sua caixa torácica do sentimento. “Vvvvviiiim”. Começou a gostar deste conjunto peito-vazio-mente-liberta-oco-onomatopéico, e a dele se afeiçoava aos poucos. Não queria mais que aranhas tapassem o vazio com sua teia. Viveriam cada qual em paz, em seu canto. Seu oco não era mais vazio. Seu corpo era agora um instrumento musical.

segunda-feira, abril 08, 2013

O oco das aranhas


Para minha amiga Marpessa de Castro
                                            

Havia muitas pequenas aranhas em seu quarto e hoje ela prestava mais atenção nelas a qualquer outro dia. Começaram como uma presença quase invisível, notada apenas pela poeira acumulada sobre as teias translúcidas. Aos poucos, foram ficando mais evidentes, como se não precisassem se esconder mais. As aranhas tinham perdido a timidez e agora suas pernas finas e corpos arredondados e pequenos faziam parte do seu cenário cotidiano.

Era nelas que pensava antes de dormir, e isso parecia preencher o oco descoberto recentemente no seu peito. Foi olhando para as aranhas, tão redondinhas, e nos filhotes que deviam carregar – porque se alastravam feito mamíferos lagomorfos pelo teto da casa – que ela teve sua epifania. “As aranhas parecem estar sempre cheias em seu interior. Eu estou vazia como o vento”.

A constatação de viver com um oco dentro de si a impedia de escrever qualquer crônica mais bem elaborada. Não podia falar de amor, com esse recôncavo dentro de si, e nem sobre a morte de Margareth Thatcher – de quem por razões estranhas temia quando criança, por causa do apedido “Dama de Ferro”, possivelmente.

Não poderia nem falar sobre artrópodes com propriedade, pois não era bióloga tampouco aracnológa. O que sabia sobre as aranhas tinha aprendido com Dona Lina, sua professora de Ciências, ou nas pesquisas da Wikipedia.

Constatou ser bobagem escrever sobre aranhas, pelo desconhecimento das espécies, mas o tema lhe parecia mais interessante a falar do seu peito oco. Imaginou porque tinha ficado assim, talvez seu interior não fosse vazio, mas cheio de teias empoeiradas de quem fez abrigo por lá. Possivelmente lhe faltava poeira para ver como estava cheio de vida, como ocorreu com as aranhas de seu quarto. Na velhice haveria de descobrir. Até lá, deixaria as janelas do peito abertas para o vento.

terça-feira, fevereiro 26, 2013

No passinho da visibilidade



De muitos fenômenos recentes da internet, um despertou minha curiosidade por reunir tantos significados. No Passinho do Volante criado pelos jovens da comunidade carente em Niterói (RJ), despi meus preconceitos e admito publicamente: gosto realmente da iniciativa de MC Federado e seus Lelekes.

Com gestualidade simples e o refrão grudento “ah, lelek, lek lek lek”, eles conquistaram mais de 30 milhões de visualizações no Youtube do vídeo gravado de forma caseira na comunidade Coronel Leôncio, no bairro da Engenhoca, onde vivem. Para produzi-lo, eles convidaram os vizinhos e investiram R$ 70 numa churrascada coletiva. Quem foi à festa, dançou para a câmera de um tablet de um amigo, em troca da confraternização. Crianças, adultos, gordos ou magros estão lá, mostrando ao mundo o tal Passinho do Volante, em meio à vielas e até sobre uma Kombi abandonada.

O sucesso mudou a vida dos quatro jovens – de 18 e 19 anos – que passaram a excursionar pelo Brasil com o hit único. Pela internet, chegaram aos ouvidos e rádios de todas os estratos sociais. Neymar e Anderson Silva, personalidades que como eles emergiram da periferia, são fãs dos “lelekes”, um trocadilho para “moleque”, equivalente ao “piá” paranaense.

E onde está o diferencial do funk do lek, lek? Arrisco-me dizer que o hit pegajoso é um dos marcos que provam como o acesso à informação pode contribuir para a sociedade. Sem descambar nas letras de alusão ao sexo, o funk inocente deu voz e imagem aos invisíveis, que ganham contornos também graças à ascensão social recente de nosso país, que lhes garantiu acesso à web e aos bens de consumo.



  
Pela mesma rede que lhes deu visibilidade, é possível confirmar a importância daqueles jovens para a imagem do bairro. Uma simples busca pelo Google sobre Coronel Leôncio revela como o fenômeno acaba sendo um contrapeso para o noticiário da violência local. Dos cinco resultados principais, três relatavam execuções a tiros, enquanto dois apresentavam matérias sobre o sucesso de MC Federado e seus Lelekes.
Nas entrevistas, os jovens dizem que pretendem continuar na Coronel Leôncio, mesmo que venham a ganhar o suficiente para deixá-la, e investir em moradias melhores para suas famílias. Só depois é que vem o volante, sonho de consumo da maioria dos jovens, invisíveis ou não.

Meu texto publicado originalmente nesta data no Caderno 2 da Gazeta do Iguaçu: http://www.gazeta.inf.br/2013/02/26/no-passinho-da-visibilidade/

quinta-feira, janeiro 17, 2013

Jogaram lodo no Carnaval luizense



O anúncio do patrocínio de uma grande cervejaria e a consequente intervenção da empresa no Carnaval de São Luiz do Paraitinga, a 150 Km de São Paulo, atingiu os amantes da cultura local com uma ferocidade comparável à enchente que assolou o município valeparaibano em 2010. Fomos pegos pela notícia da implantação de um camarote da cervejaria e, mais recentemente, pelo anúncio da programação musical com nomes como “Bonde do Tigrão”.

Como as águas do Rio Paraitinga que subiram lentamente naquela virada do ano para 2010, fomos sendo inundados por uma série de notícias sobre os rumos da festa para este ano. A diferença é que, desta vez, não houve equipes de rafting para nos salvar do impacto causado por essa inundação de incoerências administrativas.

Estamos sendo tragados pelas águas barrentas da má administração, da ingerência política e econômica sobre a cultura de um povo.

Pelo coletivo “nós” refiro-me aos milhares de admiradores da cultura luizense que, como eu, encontraram no Carnaval de São Luiz do Paraitinga um refúgio para as mazelas do mundo, um tempo de ser feliz independentemente de patrocínio, de abadás ou de bundas de fora.

Em sua defesa, a prefeitura tem alegado que os recursos na ordem de R$ 3 milhões ajudariam na revitalização da cidade, mas ignoram o impacto que a medida mercadológica pode causar à festa. O lodo das inúmeras inundações parece ter cegado os governantes locais. Sim, a Prefeitura de São Luiz do Paraitinga está cega.

No topo de sua soberba, o poder público – em consonância com os interesses do mercado – ignora “os quês e quais e poréns” daquilo que justamente transforma o Carnaval de São Luiz do Paraitinga em uma manifestação única, calcada nas tradições da cultura caipira e da musicalidade que dela adveio. Esta mesma identidade da festa que a levou como destaque às páginas do The New York Times certamente atraiu a patrocinadora. Esta é a lógica do mercado. Mas R$ 3 milhões justificam colocar por água abaixo toda construção dessa tradição reinventado do Carnaval luizense?

Será que a prefeitura e a Ambev ignoram o histórico da festa, que começou no formato adotado até 2012, com a exclusividade do estilo das marchinhas, como uma resposta à uma reportagem da Rede Globo, com a qual os moradores e artistas se sentiram ofendidos em 1980?  

Até que ponto o poder público pode interferir nas manifestações culturais emergidas da população?
Será que sequer avaliaram os motivos pelos quais a festa atrai milhares de foliões ano a ano? 

Desconhecem que a apropriação simbólica daquilo que é inerente ao povo da cidade, como seu sotaque arrastado e sonoro, transposto às marchinhas, é um dos principais atrativos ao folião, interessado nesta aura lúdica e de túnel do tempo locais?

Será que não avaliam que estão desconstruindo o ethos cultural da cidade, cuja religiosidade e as festas pagãs se interlaçam, e formam um dos pilares da identidade de São Luiz, que nada têm em comum com o repertório musical proposto pela Ambev ou nas letras do Bonde do Tigrão?

O que atrai turistas a São Luiz, senão seus aspectos particulares como a capital das marchinhas e cidade do Saci, o autêntico "raloim" brasileiro? Não é também um erro estratégico desmontar essa identidade que é justamente o que sustenta o turismo local? É se for para a cultura luizense se transmutar um dia, que seja da mesma forma que ela surgiu: das massas, e não do poder hegemônico de uma cervejaria ou do Estado.
 
Não se trata de puritanismo, como a oposição aos fatos acima podem imaginar. Mas de preservar aquilo que torna São Luiz especial – sua gente, suas alegrias e suas tradições.


Se em 1920 se temia que o carnaval levasse ao nascimento de rabo e chifre, só posso preconizar que o padre Monsenhor Ignácio Gioia estava certo. Só mesmo a arte do coisa ruim pode justificar a mistura de estilos no Carnaval luizense.

Stela Guimarães é jornalista, nascida no Vale do Paraíba, mestre em Comunicação pela Escola Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) com a dissertação “Do rabo e chifre às marchinhas: como uma reportagem da Rede Globo interferiu na criação do Carnaval de São Luiz do Paraitinga (SP)”, defendida e publicada em 2011.