segunda-feira, dezembro 16, 2013

Amor é "pejota"




Se você quer estabilidade, esqueça o amor. Amor não é emprego garantido por concurso público, não deposita seu FGTS nem lhe confere as garantias da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Amor não garante seguro desemprego, não te entrega um cartão cidadão da Caixa Econômica. Amor não tem PIS nem Pasep, mas exige esforço ora de estivador, ora de jardineiro.

Na eventual rescisão do contrato, o dispensado sai "com uma mão na frente e a outra atrás", como diria a minha avó.

O amor burla as leis e vem sem nenhum plano de saúde acoplado -- com ele, as dores de peito e angústia são como fila de hospital público em cidade grande.

Por isso, o amor é PEJOTA (leia-se, pêjóta) -- aquela modalidade de contratação cada vez mais comum nas empresas jornalísticas, entre outras instituições interessadas em drilblar o direito dos trabalhadores (ou dos amantes).

Nesta modalidade, pesa ainda a falta de vale-alimentação e, no meu caso, a carência de um vale-transporte aéreo (coisa comum quando o amor está distante por imperativos geográficos).

Aos pejoteiros (nome dado àqueles que trabalham como pessoa jurídica) os direitos previdenciários são deixados de lado, embora a vontade de ficar juntos até a velhice seja sempre a premissa do início do amor. Não há retorno de INSS para coração partido. Em caso de rompimento, ou de velhice solitária, fica-se no desalento pior do que aqueles enfrentados por quem dorme na fila da previdência para marcar uma perícia médica daquela dor no peito cuja cura é o afago dele(a).

Amor é instabilidade mesmo quando tranquilo. É tensão mesmo em paz. Não há "décimo terceiro" porque amor, quando está contratado, é um só. O único concurso público que você pode fazer neste campo é o da solidão. Mas não há alegria maior que a de "pejotar".

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Texto escrito a partir da conversa com os pejoteiros Marcelo Arend e Maria Carolina Florêncio; Daniela Valiente e Christian Rizzy; e dedicado ainda às pejotistas Ana, Flávia e Fernanda Spala.

terça-feira, dezembro 10, 2013

Cascas

Dizem, e confirmo por experiência própria, que o passar dos anos nos amolece por fora e nos endurece por dentro. Enquanto a pele vai perdendo a firmeza de outrora, uma couraça invisível vai nos fazendo perder a ternura e, muitas vezes a fé na humanidade. Acredito que este é o causador de velhinhos azedos, recrudescidos pelas horas do dia.

Ao crescermos, desconfiamos se a frase "Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás" , atribuída a Che Guevara, foi de fato proferida pelo suposto autor, uma vez que o comandante tinha outras facetas além daquela pintada em Diários de Motocicleta. Nas primeiras desilusões amorosas, perdemos o encanto sobre o amor (até que nos apaixonemos de novo).

 

Foto de Guilheme Briggs.

Ao crescer, descobri que o Trem da Alegria – grupo de meus principais ídolos da primeira idade, dos anos de 1980 – era composto por gente de verdade, como eu e você (acredito que a geração seguinte sofra o mesmo com Miley Cyrus, a ex-Hannah Montana). Que Papai Noel não me trazia presentes porque o Sarney afundava a economia brasileira. Mais tarde, ao perceber que a profissão dos sonhos não mudaria o mundo, como pensávamos antes do ingresso na faculdade.

A vida nos empedra porque acreditamos demais nos ganhos, evitamos o fracasso e sofremos pequenas ou grandes injustiças. Petrifica nossa alma quando apanhamos mesmo sendo merecedores de flores. Ou quando uma suposta autoridade nos enfia o dedo na cara, substituindo o diálogo pela força bruta – seja a das palavras ou a da força física.

Diante de tanto endurecimento, como não perder a ternura? O antídoto está na resistência de colocar flores no lugar de pedras no meio do caminho. Que neste fim de ano todos percamos as cascas e tiremos de dentro delas aquele pessoa que já nasceu aprendendo a sonhar. Não importa o quanto estejamos moles por fora ou petrificados por dentro.