segunda-feira, março 24, 2014

Efeito Marquinho


Em meados dos anos de 1990, lembro-me que um dos sonhos comuns do brasileiro de classe média era viver nos Estados Unidos. Esta fixação pelos norte-americanos – já criticada por alguns setores da sociedade naquela época, com o slogan Fora FMI – era expressa nos desejos de alguns amigos de debutar com viagem à Disney e de consumir produtos da terra de Tio Sam, após um reaquecimento da economia brasileira.

À época, a sátira à adoração aos norte-americanos pelos brasileiros era tema de um dos quadros do programa de humor da rádio 89FM de São Paulo, “Os sobrinhos do Ataíde”, criado pelos jornalistas Paulo Bonfá, Marco Bianchi e Felipe Xavier. Nele, o personagem Marquinho tinha como bordão a frase “Os americanos são muuuuito melhores” ao se referir a qualquer coisa vinda da terra onde está Hollywood.


Passados vinte anos, os brasileiros mantêm a predileção pelos Estados Unidos. Enquanto o Ministério das Relações Exteriores estima 1.280.000 brasileiros residentes em todo os Estados Unidos, um estudo revelou o país de Obama como primeira opção de mudança para o exterior. A pesquisa foi feita pelo Instituto Ibope/Conecta, para a rádio CBN, e divulgada em dezembro de 2013.


Manifestante (?) no Brasil no ano passado. Uma imagem vale mais que mil words...
 


EUA foi citado como preferência de um a cada cinco brasileiros (19%), seguido do Canadá (17%) e Inglaterra (16%). Na lista dos dez mais, o “top ten”, em inglês, figura ainda Alemanha, Austrália, Itália, França, Espanha, Portugal e China, esta última, com 1% das intenções. 

Nenhum deles faz fronteira com o Brasil ou está na América do Sul, embora tenhamos no continente países com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais elevado que o nosso.


É fato que os Estados Unidos e Canadá estão muito à frente do Brasil no IDH, índice que mescla dados de riqueza, alfabetização, educação, esperança de vida, natalidade e outros para verificar o bem-estar da população. 

Na América do Sul, Chile, Uruguai, Argentina têm IDHs superiores ao brasileiro. Na América Central, Cuba tem desempenho melhor que a média brasileira. Oito cidades uruguaias estão na liderança do IDH entre as 13 primeiras localidades latino-americanas. Em Montevidéu, por exemplo, o IDH era de 0,88, em 2007. Em São Paulo e Rio de Janeiro, no mesmo ano, o índice era de 0,833 e 0,832, respectivamente.


 


Podia ser Europa. Mas é América Latina. Chile, o país com maior IDH do continente.

Talvez o fato de olharmos como “modelos de civilização” apenas o outro lado do oceano ou a América do Norte explique a reação de repulsa de algumas pessoas à vinda dos latino-americanos para estudarem em Foz do Iguaçu. Ou talvez seja só uma xenofobia acéfala de quem vive de síndrome de Marquinho e só enxerga como “muitos melhores” os nascidos em berço norte-americano.

Se tivéssemos aqui uma universidade federal para a integração Brasil-Estados Unidos ou Brasil-Suécia, patrocinada da mesma forma pelo governo e fundada pelo mesmo partido (o PT), a gritaria contrária seria a mesma? Acho que todos nós, favoráveis ao projeto da Unila, como eu sou, ou os contrários à instituição, sabemos a resposta. E não precisa muito: basta usar um pouco da dedução, já que informação não é a base dos críticos do projeto.

segunda-feira, março 17, 2014

Porque as mulheres morrem por serem mulheres

Efeito colateral da contemporaneidade, a síndrome do "cheio de opinião" alastra-se pelas redes sociais e outras plataformas. Mesmo distante do rigor científico, as observações empíricas lançadas podem ser positivas em diversos aspectos. Hoje, elas servem como via alternativa aos meios de comunicação tradicional, contribuem para a mobilização popular e ajudam-nos a entender melhor a sociedade, inclusive, em seus aspectos negativos. Não é diferente com os blogs, primeiras plataformas de opinião popularizadas pela internet.

No outro polo, o "lado ruim da coisa", a síndrome do "sabe-tudo" pode nos induzir a conclusões rasas e a nos levar a engrossamos a massa de manobra de interesses diversos. Em ano eleitoral isso é ainda mais evidente (basta ficarmos atentos para montagens diversas circulantes no Facebook).

Quem escreve e se expõe publicamente está fadado a ser julgado pelas mais diversas visões de mundo. E, em um ambiente virtual com conteúdo infindável, sinto-me honrada pela atenção dispensada por alguns leitores, mesmo quando há eventuais críticas. Os embates são parte da democracia. Apenas egocêntricos e ditadores não os toleram.



Ironia mostra o preceito do feminismo. Radical é quem não entende.

Na semana passada, defendi em um trecho do texto sobre o assassinato da estudante que Martina Piazza (no dia 2 de fevereiro) fora morta por ser mulher. Infelizmente neste caso, não há argumento capaz de me convencer do contrário. E não se trata de crença ou militância rasa. Com base de formação no campo da Academia, não sou do tipo que constrói axiomas sem embasamento prévio, embora eu, como você, possamos errar em nossas conclusões. Por isso, o esforço para que elas sejam pautadas por minuciosa pesquisa, e não por paixões ou pela "militância" de estar certo, como se estivéssemos participando de um duelo intectualoide.

Embora no Código Penal brasileiro ainda não haja qualificação para o crime de feminicídio, forma de violência contra o gênero resultante na morte da mulher, o assunto é tema de um projeto de lei, de autoria da senadora Ana Rita (PT-ES) em trâmite no Senado. Caso aprovado, será mais uma tipificação para os homicídios no Brasil.

Para ser considerado feminicídio, é preciso haver três circunstâncias, isoladas ou contínuas. São elas: a relação íntima, de afeto ou parentesco, entre vítima e o agressor; a hipótese de violência sexual, antes ou depois da morte; a mutilação ou desfiguração da vítima, também antes ou depois da morte, associado ao emprego de tortura ou qualquer meio degradante.

Para esclarecer: não se trata de misoginia (ódio ao sexo feminino), mas de uma tipificação para crimes contra mulheres e que são cometidos em virtude do gênero.

Se marcar um encontro, convidar o agressor a adentrar um apartamento consigo - numa evidente relação de confiança - e ser morta em um estrangulamento de tamanha brutalidade que levou à quebra do pescoço da vítima, se isso tudo não se encaixar em nenhum dos itens, aí posso reconsiderar meu "axioma" que Martina foi morta por ser mulher.

Até lá, mantenho minha opinião, ainda que possa ser considerada uma a mais nesse oceano de "achismos". Qualificar como feminicídio crimes como este é uma forma de não colocá-los na vala comum dos homicídios, dispor de dados estatísticos mais contudentes sobre a violência contra a mulher e não esconder essa sujeira embaixo dos nossos tapetes.

Ainda que este seja um Trabalho de Sísifo, continuarei empurrando essa pedra morro acima, na esperança de um mundo melhor para nós, mulheres, anônimas ou não.




(Para entender melhor, recomendo a leitura de "Femicídios" e asmortes de mulheres no Brasil, de Wânia Pasinato, "Feminicídio:quando mulheres são mortas por serem mulheres", de MônicaRibeiro e Ribeiro, ambos disponíveis no Google. O Projeto de Lei 292/2013 pode ser acessado neste link http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=133307&tp=1 e o Mapa da Violência contra a mulher, neste caminho: http://www.mapadaviolencia.org.br/mapa2012_mulheres.php)

segunda-feira, março 10, 2014

Não há nada para celebrar




 Foto de Lalan Bessoni
 
A poucos dias do Dia Internacional da Mulher, o assassinato no domingo (2) da estudante da Unila, Martina Piazza Conde, de 26 anos, trouxe para o universo do tangível o abuso de milhares de mulheres que sofrem caladas e de forma sistemática uma violência motivada pelo simples fato de serem do sexo feminino.


Na morte da universitária, estão impressas de forma implícita a opressão cotidiana, os casos de abuso sexual e outras formas de agressão impostas por uma sociedade patriarcal. Embora não saibamos o motivo – embora eu não acredite em justificativas para o injustificável – cada atitude machista ajuda a tecer a rede da conivência com os maus tratos às mulheres.


Sim, nós somos dotadas de uma estrutura física mais frágil, mas não é somente por isso que terminamos como vítimas fatais em situações como essa. No balaio das “razões sem razão”, entra também a concepção da mulher servil, ou seja, de toda relação de poder construída historicamente do homem sobre a mulher. 


Esses elementos contribuem para engrossar dados alarmantes. Entre 2009 e 2011, o Paraná teve 1.035 femicídios, segundo números da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Na ponta do lápis, dá quase uma morte por dia. 



Martina: mulher bonita é a que luta!

Nos números deste ano, estará a morte de Martina para nos lembrar que essa lista é composta de pessoas com rostos, endereços, histórias de vida, amigos queridos. No caso da estudante, associe essa imagem a uma pessoa repleta de vitalidade, de vontade de luta por um mundo melhor e sorrisos. 


Se os números ajudam a refletir sobre esse problema, é na imagem dela que podemos vislumbrar tantas outras vítimas. E não são poucas. 


De acordo com o Portal Iguaçu, foram registrados no ano passado 2.453 boletins de ocorrência envolvendo situações de violência contra a mulher no Estado. No ano anterior, foram 11.240 registros. As informações foram passadas ao site pela Coordenadoria das Delegacias da Mulher do Paraná (Codem).


Sete de cada dez mulheres sofrem algum tipo de violência durante a vida, no mundo. E isso apenas por serem mulheres. Em todo o planeta, uma a cada cinco mulheres será estuprada – e eu sou uma das pessoas incluídas nessa estatística. Há mais risco de uma mulher com idade entre 15 a 44 anos sofrer estupro e violência doméstica a ser acometida por um câncer ou vítima de um acidente de carro, conforme divulgou o Banco Mundial. 


Em junho do ano passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou um relatório no qual aponta como problema de saúde global com proporções epidêmicas a violência contra a mulher. Infelizmente, a epidemia está próxima de nós. Resta torcer para não haver outros episódios como o da querida Martina. 
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Disk Denúncia da Delegacia de Homicídios Foz – 0800 643 2977