sábado, julho 30, 2016

Carta para o meu filho


Coragem, menino, é o que você vai precisar. Para provar aos amigos que não é sinônimo de macheza entrar no vira-vira. Sinônimo de personalidade é tomar a decisão é que você quiser. Inclusive a de postergar para a vida adulta a primeira prova de uma bebida alcóolica para poder, sem culpa, tomar um bom vinho num jantar com os amigos.
Coragem, moleque, para não entrar na onda do senso comum e sair distribuindo cantada para toda garota bonita que você vir a desejar. Para não magoar. Para ver a beleza nas minúcias, na delicadeza além do efeito do Photoshop. Nos defeitos que diferem uma das outras.
Coragem para dizer a elas que não precisam de maquiagem ou como elas ficam lindas se quiserem usá-las - mesmo que alguém diga odiar menina com "make carregado" ou "de cara limpa". Tanto faz. Porque o corpo é DELAS e o controle sobre eles também.
Coragem para segurar seus instintos porque você não é guiado pelo seu sistema límbico - você é um ser evoluído, inteligente, e não como andam dizendo por aí. Essa bobageira de "homem precisa se aliviar" ou "é de é tudo assim mesmo", "homem traí mesmo", "mexe com mulher na rua" ou qualquer outro blá, blá, blá, blá destes aí. Coragem para não fazer fiu-fiu na rua e advertir seus amigos sobre a babaquice do ato. Se algumas gostam, pois é, pesquisas indicaram ser uma minoria. E a gente não é roleta-russa.
Coragem para explicar a eles, seus "parças", como esse ato impede que usufruamos do espaço público da mesma maneira que vocês, meninos e homens. Como isso nos dá medo e como o estupro é uma ameaça constante em nossas vidas. Infelizmente.
Coragem para entender que é difícil mesmo este processo da paquera. Como vou saber, mãe, se estou passando do ponto? Você saberá, porque não é errado dar suas investidas. A reciprocidade é natural: há olhares, toques, risinhos. Você vai ver. Um dia vai rolar.
Coragem para entender que é mentira máxima, na verdade, tão mínima, e tantas vezes ouvida por mim ao longo da minha vida - "quando elas dizem não querem dizer sim". Não. Elas estão dizendo NÃO. E você não é assim.
Eu sei que você romantiza com aquela menina porque também tem vontade do toque terno, do olhar amoroso, apesar dos hormônios estarem, sim, efervescentes. Assim como estão nela - embora culturalmente saiba que elas não foram ensinadas a se tocar como vocês e seus amigos foram pelos pais, irmãos, amigos. Idealizar este encontro não é ser menos homem. É ser gente. Humano, como nós. E só assim queremos ser vistas - de igual para igual, humanas.
Coragem para entender que o machismo é uma cultura opressiva - muitas e muitas vezes mais para elas. Mas coragem para compreender que o machismo é uma cultura também opressiva para você, que não quer beber, que quer transar com amor, que um dia vai querer uma namorada para amar e ser amado, que uma hora vai querer tomar um trago (mas não agora), que admira as meninas bonitas mas não quer classificá-las conforme uma escala de beleza estabelecida por padrões capazes de oprimir, subjugar, matar.
Coragem para admitir-se como um ser humano completo, como você é. Especial, divertido, inteligente e empático aos sofrimentos do mundo, das minorias, dos miseráveis. E aos nossos, das mulheres. Suas amigas, futuras namoradas, suas primas, suas tias, sua mãe.