segunda-feira, fevereiro 24, 2014

Que a Ucrânia não seja aqui



 Líder neofascista ucraniano.

No início dos anos de 1990, circulou no centro da minha cidade natal, no interior de São Paulo, um abaixo-assinado de apoio aos movimentos separatistas da Iugoslávia. Não me lembro ao certo porque me interessei pelo tema (eu tinha 12 anos de idade), mas lembro-me de ter ouvido atentamente as instruções dos coletores a respeito da importância do apoio dos brasileiros para a emancipação da Eslovênia, Croácia e Bósnia.

Lembro-me de achar legítima a reivindicação e, embora eu possivelmente estivesse mais preocupada em colecionar fotos da boy band do momento, parecia-me justo defender a autonomia dos países e a democracia. Aqui, havia acompanhado a celebração de minha família nos Diretas Já (mesmo sem entender ao certo o que isso representava), mas o voto direto era um conceito debatido com certa frequência pelos meus tios militantes partidários quando eu mal tinha saído das fraldas. Talvez por isso, a reivindicação dos defensores dos Bálcãs pareceu-me automaticamente justa, embora tão, tão distante de nós aqui no Brasil. 

Passados pouco mais de vinte anos, a Ucrânia, país próximo aos Bálcãs, não me parece tão distante quanto a antiga Iugoslávia no passado. E não é a internet a responsável pela redução dessa proximidade entre nós e os ucranianos. 

A despeito do sofrimento humano em qualquer guerra civil, o que me faz compadecer dos conflitos instaurados naquela nação recentemente é o receio de estarmos muito mais próximos dos ucranianos do que poderíamos pressupor. Pode parecer pessimismo – e é, admito – mas alguns pontos da sociedade brasileira são condizentes com o cenário da Ucrânia pré-conflito.

No artigo “Dossiê Ucrânia: os neonazistas a um passo do poder”, publicado originalmente na Agência Rebelión, o jornalista ucraniano Oleg Yasinsky expõe como as coisas foram ficando fora de controle no país tido como um dos mais pacíficos da região. 

Em crise financeira, alguns protestos começaram a ser deflagrados em ambos países. Guardadas as diferenças entre os dois governos – Brasil e Ucrânia têm líderes muito diferentes – nos dois países os protestos sobre reivindicações de forma legítima, por melhores condições, mas acabaram abarcados por grupos de interesses ainda escusos no Brasil. 

O que é nebuloso no país da Copa, não leva máscara na Ucrânia. Por lá, os protestos contra o governo de direita são encabeçados por grupos de ultradireita extremamente mais violentos, segundo Oleg Yasinsky.“Lamentavelmente, essa ultradireita tem agora cada vez mais aceitação social. Isso acontece porque a ultra-direita age contra um governo corrupto, que praticamente perdeu sua legitimidade frente à maioria dos ucranianos, enquanto uma outra direita, agora uma terceira, a da oposição democrática, a dos contos europeus e prantos por Yulia Timoshenko [líder da oposição ucraniana], não teve mérito e capacidade para encabeçar os protestos populares”, disse o jornalista em seu texto.

Por lá, as coisas ficaram fora de controle – e é esse ponto o mais preocupante. Lembro-me que, em junho do ano passado, a gritaria contrária às bandeiras e partidos políticos nas manifestações “dos vinte centavos”. Um tanto perdido, o governo do Brasil agora estuda restringir oficialmente protestos e proibir uso de máscaras. Em São Paulo, não é segredo algum a truculência da PM nas manifestações também cada vez mais violências e nas quais estão presente os “Black Blocs”, nascidos como anarquistas, mas donos de um discurso cada vez mais reacionário.

Outro jornalista ucraniano, Aleksandr Karpets, no artigo de título sugestivo Quando a ‘Revolução’ muda de rumos, nos dá pista da semelhança entre os dois movimentos: “Antes de 19 de janeiro deste ano, os protestos se limitavam a declarações exaltadas, promessas, ameaças, festa e cantos na Praça da Independência de Kiev, que hoje é midiaticamente conhecida como Euro-Maidan (“maidan” é praça em ucraniano). Os “líderes” estavam preocupados com seus futuros ganhos eleitorais. Dava a impressão de que eles tinham medo de tomar decisões e depois ter que arcar com elas. A massa repetia o refrão delirante de uma “revolução apolítica”.”, relata o jornalista.
 
 
Neste contexto, os grupos dos sem bandeiras, mas não sem ideologia, - os neonazistas- foram ganhando força.  Na Ucrânia, como no Brasil, foi prometida formas não-violentas de protesto como uma “greve geral”. “Ela foi prometida em reiteradas oportunidades, mas nunca se concretizou, por conta da mesma incapacidade organizativa e ideológica dos “líderes” “pró-europeus”, escreveu Aleksandr Karpets. 

Nesse domingo (23 de fevereiro), as redes sociais reportavam um incidente em São Paulo, quando um  motorista avançou sobre um bloco de Carnaval na Vila Madalena, atropelando 20 pessoas. Não bastasse a barbárie do episódio, foliões enfurecidos teriam dado resposta à mesma altura, depredando o carro supostamente blindado do agressor e – pasmem – partindo para uma tentativa de estupro da namorada do atropelador. 

E este não foi o primeiro caso de “justiça com as próprias mãos”. Nos últimos dez dias, uma onda de pseudojusticeiros espancaram e amarraram suspeitos de crime (até ser julgado pela Justiça formal não posso chama-los de bandidos) em Mato Grosso, Santa Catarina, Piauí (amarrado a formigueiro), Natal, Rio de Janeiro e no Paraná.

Parece que a lógica olho por olho, dente por dente, começa a ficar legitimada na classe média brasileira. Que qualquer semelhança entre a situação entre Ucrânia e Brasil seja mera coincidência.

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