Em oito anos de trabalho em jornal diário –sofrendo a pressão do fechamento e o efeito do pôr-do-sol, quando todo trabalho precisa ser concluído no mesmo dia— nunca fora tão difícil noticiar um fato quanto o que tive que relatar há quase um ano, em 19 de dezembro de 2007.
Naquela madrugada, morria aos 53 anos, o vice-prefeito e secretário de Infra-Estrutura de Jacareí, Davi Monteiro Lino. Escrevi um comunicado para ser colocado nas portas da repartição pública onde trabalho na Assessoria de Comunicação. Poucas linhas e muita dor.
Meu contato com Davi começou em 2001, quando ele assumiu a presidência do SAAE e depois, a Secretaria de Meio Ambiente. Atuava como repórter e nossa primeira entrevista foi carregada de tensão. Era um contato extremamente profissional e confesso não ter, à época, nenhuma simpatia pelo Davi e receber, aparentemente, o mesmo em troca.
Ao longo dos anos, nosso contato foi ficando mais intenso por causa do trabalho no jornal e a mente brilhante de Davi foi me seduzindo pela racionalidade, lógica e maestria. A gente começou a gostar um do outro (grande parte porque tínhamos um elo: uma grande amiga em comum, que fazia o lobby positivo para ambos os lados).
Em 2007, quando fui chamada para trabalhar na Prefeitura de Jacareí, deram-me a 'missão' de assessorá-lo. Nem sempre era fácil acompanhar seus horários puxados, mas era invariavelmente bom o contato permanente com o 'Gordinho', como era chamado pelos colegas.
Engenheiro químico, ele parecia conhecer a cidade como poucos. Foi, como outros, 'braço direito' do prefeito Marco Aurélio durante sete anos de mandato. Era vaidoso com seus feitos e costumava me dizer: "não há um canto dessa cidade que não tenha um dedo meu". Podia parecer arrogância? Sim. Mas era uma verdade absoluta.
Orgulhava-se de ter estudado na Poli-USP. Era influente e admirado mesmo fora do partido ou coligação. Davi podia parecer autoritário. Pragmático, pra ser mais exata. Mas tinha um coração mole, molenga mesmo. Babava de amores pela mulher, Vera, o filho Gabriel e pelo time do coração, o São Paulo Futebol Clube. Preocupava-se com os outros e pouco tempo antes de morrer veio me perguntar se eu estava melhor da crise de bronquite. E emendou com tom partenal: "não pode nem ficar por aí e sair à noite!".
Às vezes inventava às 17h de sair para ver obra. E dizia: "você tem que sair da redação, ver o que estamos fazendo". Eu retrucava: "eu sei, Davi. Você também tem que ler o que escrevo!".
Confessou-me, lá pelo mês de novembro de 2007, que conseguiria 'esticar' a avenida central (inaugurada no último sábado pelo prefeito Marco Aurélio de Souza e batizada como engenheiro Davi Monteiro Lino). E eu: "como, Davi?". Ele, sorrindo e todo orgulhoso: "você vai ver, menina".
Aliás, era de 'menina' e 'menino' que chamava muita gente --e desse por satisfeito por esse tratamento: indicava um carinho que muita gente não conseguia notar naquela postura quase taurina que ostentava.
Também dava apelidos para as pessoas. Eu comecei a ser chamada de "Carminha", porque, segundo ele, eu não lhe dava sossego. Com o tempo apelidou-me de 'bicho-grilo', só por causa da minha coleção de All Star e colarzinhos coloridos. Tentei lhe explicar que All Star estava mais pra hype (os moderninhos de hoje) do que para hippie. "Ah, bicho-grilo é coisa da sua época", eu brincava.
Há quase um ano, cada amigo de Davi perdeu seu 'oráculo'. A cidade, um líder especial. E até o tempo pareceu sentir isso, com a chuva inesperada que atingiu a cidade no dia de sua morte.
No último contato pessoal, ele me disse: "ô, bicho-grilo. Por que não me liga mais? Estou com saudades!". E eu: "também já estou". Vai ser difícil deixar de senti-la.
Stela Guimarães, jornalista em Jacareí
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