terça-feira, janeiro 15, 2013

Aquela banda nova e a panela usada




Ela se sentia feliz porque pensava ser sorte conhecer, no mesmo dia, uma banda nova, da qual tinha ficado imediatamente fã, e um filme bacana, apesar de tê-la feito chorar. Andava emotiva e insistia em dizer que isso era raro, embora quem a conheça saiba o quanto é fácil emocioná-la por razões diversas, alegria ou tristeza, música ou cinema.

Desde pequenininha, ela chorava muito. Um ralado na perna da irmã mais velha era o suficiente para fazê-la derramar baldes de lágrimas. A situação era irritante para quem via de fora – especialmente para a primogênita de seus pais, durona na queda e de pouco chororô. “Menina, pára de chorar que eu estou bem”, dizia sua irmã mais velha sem a agressividade que as palavras escritas aqui podem esconder.

Daí até chegar a sua idade atual ela chorou e chorou tantas vezes, por tombos alheios, finais de novela, meio de filmes, notas na escola e até na última Copa do Mundo. De tanto chorar, ela deveria admitir que seu lado direito do cérebro é muito mais faceiro ao vizinho de massa cinzenta. Mas isso, para ela, seria como encarar uma derrota. Sua personalidade colorida, porém emotiva, não poderia vencer este duelo.

Agora, sentada sozinha em sua cama, ela pensava se a habilidade de traçar estratégias havia mesmo sido derrotada pelo apego emocional. Estava feliz porque a banda era realmente boa e o filme recém-visto – e comprado no camelô - tinham lhe proporcionado. E há dois dias ela comprara um livro com o qual estava se divertindo muito. O segundo best seller de David Nicholls, o “novo” Nick Hornby.

O trabalho ia bem, obrigada, e o saldo na conta não estava muito a contento, mas o abono do meio do ano ia ser bom. Então não havia muito com que se preocupar. Estava saudável, apesar de alguns espirros e do cansaço da viagem do fim de semana. Havia feito hidratação no cabelo e suas unhas do pés estavam feitas. Em tese, tudo certo.

Mas aquele anúncio feito por ela no jornal, da vitrolinha que ele precisava vender antes de partir, parecia rodar em delay eterno. Um tormento besta, para que ela se lembrasse dele e daqueles dias bobos, despretensiosos e reconhecidos, a posteriori, como felizes. De repente, toda a cidade havia decidido comprar o item de coleção, embora ele tenha sido vendido há tempos. Trim, trim. Se o telefone tocava, ela já sabia – lá estaria um comprador atrasado.

Também subitamente pareceu-lhe muito maldoso os itens deixados por ele, para ela. Um prato, uma frigideira queimada  - para lhe lembrar do Sérgio Reis entoando a clássica ode às coroas – e até uma tampa de panela velha. “Presentes” bem intencionados que acabaram por lhe dar tristeza, não intencionalmente, ela sabia.

Ela não estava apaixonada, insistia em pensar e dizer (e estava convicta disso), mas sentia falta daquele “relacionamento com prazo de validade”. Ela gostava de se lembrar dele penteando os cabelos todos pra trás, como um velho pescador norte-americano, e ria ao pensar como detestava a coloração das lentes de seus óculos.

Por algumas vezes, sentiu melancolia ao olhar para um cantinho onde eles gostavam de ficar. Sentia falta de dormir com ele e de outras coisas mais advindas de tal proximidade. Em outras ocasiões, refletiu se deveria escrever sobre ele – porque essa coisa de transformar pessoas reais em pseudoficção só tinha lhe dado má sorte até agora. “Os homens ficam se sentindo os maiorais”, lembrou, mas sabia que essa melancolia e saudades pareciam só servir para que seu lado direito do cérebro transformasse tudo em palavras organizadas pelo seu lado esquerdo e virasse um conto bobo de quem sente falta de outrem.

Ele, que era notadamente mais pragmático, não seria convocado a conferir o texto no qual ela admitia como sua ausência era sentida. Ela preferia que eles ficassem leve, como eram, e tal leitura poderia causar nele uma má interpretação e afastá-lo ainda mais. Ela sabia que pouco a pouco seus contornos femininos iam sendo esquecidos pelo cotidiano, pelos caminhos que a vida ia seguir, e isso já estava acontecendo nele, ela sabia. Por sua vez, ele estava imortalizado naquele escrito no qual ela admitia dele gostar, assim como havia gostado tanto dessa banda nova e desse filme de hoje.

Nenhum comentário: