Ela se sentia feliz porque pensava ser sorte conhecer, no
mesmo dia, uma banda nova, da qual tinha ficado imediatamente fã, e um filme
bacana, apesar de tê-la feito chorar. Andava emotiva e insistia em dizer que
isso era raro, embora quem a conheça saiba o quanto é fácil emocioná-la por
razões diversas, alegria ou tristeza, música ou cinema.
Desde pequenininha, ela chorava muito. Um ralado na perna da
irmã mais velha era o suficiente para fazê-la derramar baldes de lágrimas. A
situação era irritante para quem via de fora – especialmente para a primogênita
de seus pais, durona na queda e de pouco chororô. “Menina, pára de chorar que
eu estou bem”, dizia sua irmã mais velha sem a agressividade que as palavras
escritas aqui podem esconder.
Daí até chegar a sua idade atual ela chorou e chorou tantas
vezes, por tombos alheios, finais de novela, meio de filmes, notas na escola e
até na última Copa do Mundo. De tanto chorar, ela deveria admitir que seu lado
direito do cérebro é muito mais faceiro ao vizinho de massa cinzenta. Mas isso,
para ela, seria como encarar uma derrota. Sua personalidade colorida, porém
emotiva, não poderia vencer este duelo.
Agora, sentada sozinha em sua cama, ela pensava se a
habilidade de traçar estratégias havia mesmo sido derrotada pelo apego
emocional. Estava feliz porque a banda era realmente boa e o filme recém-visto –
e comprado no camelô - tinham lhe proporcionado. E há dois dias ela comprara um livro com o qual estava se divertindo muito. O segundo best seller de David Nicholls, o “novo” Nick Hornby.
O trabalho ia bem, obrigada, e o saldo na conta não estava
muito a contento, mas o abono do meio do ano ia ser bom. Então não havia muito
com que se preocupar. Estava saudável, apesar de alguns espirros e do cansaço
da viagem do fim de semana. Havia feito hidratação no cabelo e suas unhas do
pés estavam feitas. Em tese, tudo certo.
Mas aquele anúncio feito por ela no jornal, da vitrolinha
que ele precisava vender antes de partir, parecia rodar em delay eterno. Um
tormento besta, para que ela se lembrasse dele e daqueles dias bobos,
despretensiosos e reconhecidos, a posteriori, como felizes. De repente, toda a
cidade havia decidido comprar o item de coleção, embora ele tenha sido vendido
há tempos. Trim, trim. Se o telefone
tocava, ela já sabia – lá estaria um comprador atrasado.
Também subitamente pareceu-lhe muito maldoso os itens
deixados por ele, para ela. Um prato, uma frigideira queimada - para lhe lembrar do Sérgio Reis entoando a
clássica ode às coroas – e até uma tampa de panela velha. “Presentes” bem
intencionados que acabaram por lhe dar tristeza, não intencionalmente, ela
sabia.
Ela não estava apaixonada, insistia em pensar e dizer (e
estava convicta disso), mas sentia falta daquele “relacionamento com prazo de
validade”. Ela gostava de se lembrar dele penteando os cabelos todos pra trás,
como um velho pescador norte-americano, e ria ao pensar como detestava a
coloração das lentes de seus óculos.
Por algumas vezes, sentiu melancolia ao olhar para um
cantinho onde eles gostavam de ficar. Sentia falta de dormir com ele e de
outras coisas mais advindas de tal proximidade. Em outras ocasiões, refletiu se
deveria escrever sobre ele – porque essa coisa de transformar pessoas reais em
pseudoficção só tinha lhe dado má sorte até agora. “Os homens ficam se sentindo
os maiorais”, lembrou, mas sabia que essa melancolia e saudades pareciam só
servir para que seu lado direito do cérebro transformasse tudo em palavras
organizadas pelo seu lado esquerdo e virasse um conto bobo de quem sente falta
de outrem.
Ele, que era notadamente mais pragmático, não seria convocado
a conferir o texto no qual ela admitia como sua ausência era sentida. Ela preferia
que eles ficassem leve, como eram, e tal leitura poderia causar nele uma má
interpretação e afastá-lo ainda mais. Ela sabia que pouco a pouco seus
contornos femininos iam sendo esquecidos pelo cotidiano, pelos caminhos que a
vida ia seguir, e isso já estava acontecendo nele, ela sabia. Por sua vez, ele estava imortalizado naquele escrito no qual
ela admitia dele gostar, assim como havia gostado tanto dessa banda nova e
desse filme de hoje.
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