Para minha amiga
Marpessa de Castro
Havia muitas pequenas aranhas em seu quarto e hoje ela
prestava mais atenção nelas a qualquer outro dia. Começaram como uma presença
quase invisível, notada apenas pela poeira acumulada sobre as teias
translúcidas. Aos poucos, foram ficando mais evidentes, como se não precisassem
se esconder mais. As aranhas tinham perdido a timidez e agora suas pernas finas
e corpos arredondados e pequenos faziam parte do seu cenário cotidiano.
Era nelas que pensava antes de dormir, e isso parecia
preencher o oco descoberto recentemente no seu peito. Foi olhando para as
aranhas, tão redondinhas, e nos filhotes que deviam carregar – porque se
alastravam feito mamíferos lagomorfos pelo teto da casa –
que ela teve sua epifania. “As aranhas parecem estar sempre cheias em seu
interior. Eu estou vazia como o vento”.
A constatação de viver com um oco dentro de si a impedia de
escrever qualquer crônica mais bem elaborada. Não podia falar de amor, com esse
recôncavo dentro de si, e nem sobre a morte de Margareth Thatcher – de quem por
razões estranhas temia quando criança, por causa do apedido “Dama de Ferro”,
possivelmente.
Não poderia nem falar sobre artrópodes com propriedade, pois
não era bióloga tampouco aracnológa. O que sabia sobre as aranhas tinha
aprendido com Dona Lina, sua professora de Ciências, ou nas pesquisas da
Wikipedia.
Constatou ser bobagem escrever sobre aranhas, pelo
desconhecimento das espécies, mas o tema lhe parecia mais interessante a falar
do seu peito oco. Imaginou porque tinha ficado assim, talvez seu interior não
fosse vazio, mas cheio de teias empoeiradas de quem fez abrigo por lá.
Possivelmente lhe faltava poeira para ver como estava cheio de vida, como
ocorreu com as aranhas de seu quarto. Na velhice haveria de descobrir. Até lá,
deixaria as janelas do peito abertas para o vento.
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