Passado o susto inicial da descoberta da infestação, decidiu
não mais pensar nas aranhas. Havia desistido de providenciar o detefon
mata-tudo, não porque o slogan era ruim (tinha baforado o inseticida tantas
vezes e continuava viva que desconfiava da eficiência do seu enunciado). Um
pesadelo com sapos e braços mutilados, costurados por teias por humanizadas e
bondosos aracnídeos fizeram ela se afeiçoar aos artrópodes de seu quarto. E se
estivessem lá para salvá-la?
As aranhas a tinham levado pelo jardim secreto do oco do seu
peito, e isso bastaria para uma redenção. Sem elas jamais teria percebido esse rombo e
já se afeiçoara ao barulho transpondo esse suposto vácuo. “VVvvviiiiiiiim”, era
o som desse zunido constante que ricocheteava do seu cérebro para o ouvido e do
ouvido para fora. Era a trilha sonora de seu pensamento e pensou: este é o
barulho do nada, de quem não tem algo algum obstruindo sua caixa torácica do
sentimento. “Vvvvviiiim”. Começou a gostar deste conjunto
peito-vazio-mente-liberta-oco-onomatopéico, e a dele se afeiçoava aos poucos. Não
queria mais que aranhas tapassem o vazio com sua teia. Viveriam cada qual em
paz, em seu canto. Seu oco não era mais vazio. Seu corpo era agora um
instrumento musical.
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