quinta-feira, abril 11, 2013

O som do oco




Passado o susto inicial da descoberta da infestação, decidiu não mais pensar nas aranhas. Havia desistido de providenciar o detefon mata-tudo, não porque o slogan era ruim (tinha baforado o inseticida tantas vezes e continuava viva que desconfiava da eficiência do seu enunciado). Um pesadelo com sapos e braços mutilados, costurados por teias por humanizadas e bondosos aracnídeos fizeram ela se afeiçoar aos artrópodes de seu quarto. E se estivessem lá para salvá-la? 

As aranhas a tinham levado pelo jardim secreto do oco do seu peito, e isso bastaria para uma redenção.  Sem elas jamais teria percebido esse rombo e já se afeiçoara ao barulho transpondo esse suposto vácuo. “VVvvviiiiiiiim”, era o som desse zunido constante que ricocheteava do seu cérebro para o ouvido e do ouvido para fora. Era a trilha sonora de seu pensamento e pensou: este é o barulho do nada, de quem não tem algo algum obstruindo sua caixa torácica do sentimento. “Vvvvviiiim”. Começou a gostar deste conjunto peito-vazio-mente-liberta-oco-onomatopéico, e a dele se afeiçoava aos poucos. Não queria mais que aranhas tapassem o vazio com sua teia. Viveriam cada qual em paz, em seu canto. Seu oco não era mais vazio. Seu corpo era agora um instrumento musical.

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