segunda-feira, junho 03, 2013

Cartaz




“Tem coisas que só saem da gente por escrito”, era o que estava grafado lá no muro vermelho na rua de pedregulhos irregulares e casas antigas e mortas, caminho obrigatório dela, por onde passava todo santo dia, na volta do trabalho.  Na primeira vez que viu o cartaz, estremeceu.  Correu para sua casa, duas ruas ladeira acima.

Abriu o pequeno portão de ferro e com a porta de vidro principal ainda aberta buscou seu baú posto no canto da sala. Uma sensação de alívio percorreu seu corpo quando encontrou lá todos os seus 15 diários incautos, páginas que guardavam ano a ano seus gritos ocultos. Eles eram sua comunicação silenciosa com o mundo, porque só com papel e a caneta em mãos conseguia ser ela mesma.
Sua comunicação verbal era pífia: costumava trocar “lé por crê”, “pão por chão”. E o pior: em algumas ocasiões esse tipo próprio de dislexia verbal a tinha levado a criar rimas pobres e espontâneas, dessas que a gente vê muito num certo tipo de música na atualidade. Coisas como dor com amor, assim com mim, coração com paixão e solidão.

Uma vez, seu Zé, o dono da venda do bairro, perguntou-lhe: - Como vai seu pai? Sem pestanejar, respondeu: “- Vai bem, mas de casa nunca sai”. A inversão do sujeito, verbo e predicado fora a gota d’água para que desistisse da conversa com as pessoas. O jeito era evitar o diálogo cara a cara. Só com as letrinhas cursivas é que era boa de prosa e de verso.

Por temer que suas memórias fossem também embaralhar a gramática, decidiu não confiar nelas. Assim surgiram os diários e depois, ao perceber que sua escrita era bem melhor que a fala, guardou para si o som de sua voz. Desde então, passou a se comunicar apenas por bilhetes, cartas, muito antes do advento da internet que vocês usam por aí. Por isso, quando viu aquele cartaz no muro vermelho, pensou ter sido para ela o recado. Baú aberto, viu quando uma gota de suor caiu sobre um de seus cadernos, fechados hermeticamente, tanto quanto sua boca.

Recobrou o ar e sem perceber, num tom tão alto que pôde ser ouvida até por quem passava duas ruas ladeira abaixo, disse: “Tem escritos que não saem da gente por coisa alguma”. E voltou a se calar.


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Inspirado na minha capa do Facebook, que coletei no Coletivo Transverso (e de que não sei a autoria exata para citar aqui, infelizmente). Escrito para o Espaço G, da Gazeta do Iguaçu.

Um comentário:

Neve Góis disse...

to apaixonada pelas tuas letrinhas. Queria de conhecer =D
Meu nome é Neve Góis e sou publicitária em Foz. Vou colocar uma imagem que tu fez em minha capa do facebook. Se vc achar ruim, me avisa que eu tiro. Se quiser manter contato, deixa msg.