Li vários artigos, favoráveis e contrários aos “rolezinhos” nos
shoppings, assunto que como tantos outros nasce meio desgastado nas
redes sociais. Nesta leva, há textos muito contundentes como o da antropóloga Rosana Pinheiro Machado,
que não caiu de paraquedas no assunto porque é uma estudiosa do tema (funk,
periferia) há muito tempo .
Aliás, essa é uma das mazelas da democracia nas redes
sociais: a análise pela análise, a crítica superficial. De repente, todo mundo
entende de tudo e tem opinião sobre os assuntos. E, nessa leva, muitas vezes os
especialistas são rechaçados e classificados como marxistas ou esquerdistas. Foio que ocorreu com o texto da antropóloga, criticado pela Veja.*
Não sou especialista em consumo – embora tenha sido
orientada no Mestrado por um estudioso do tema, Waldenyr Caldas, professor da
ECA-USP e autor de livros como Temas da Cultura de Massa, Música, Futebol e
Consumo”. Talvez gente como esses acadêmicos possam explicar melhor este fato
social – que não é inédito e não nasceu politizado como crítica social, mas tem
muito a dizer sobre a nossa sociedade do consumo.
Apropriar-se dos ícones do consumo não é coisa nova.
Mas, de fato, a ascensão da classe C, o aumento do poder aquisitivo do brasileiro mais pobre nos últimos anos e as
redes sociais tornaram este fenômeno mais visível. Ostentar bens de consumo sempre foi, na sociedade capitalista, uma
forma de manter o status quo e de pertencer a um determinado grupo. E os adolescentes
nos shoppings de São Paulo não são diferentes dos jovens da escola do meu filho,
que levam seus smartphones de última geração para a sala de aula. Tampouco é novidade a crítica a apropriação dos bens das classes "superiores" pelas "inferiores".
Lembra-se da gritaria dos donos de IPhone quando o Instagram
foi liberado para outras plataformas? Temia-se, em alguns estratos (os donos de
IPhone), uma Orkutização – neologismo este que também surgiu associado à invasão dos
jovens pobres ao Orkut. Enquanto deveríamos comemorar a inclusão digital, não?
Eu admito: é difícil manter-se distante do preconceito. Em várias
ocasiões me deparei com minhas próprias atitudes preconceituosas. Eu já atravessei a rua ao ver
um negro de boné vindo na minha direção à noite. Família, sociedade e a mída me ensinaram isso e a menter-me longe "do perigo". Porque é assim que o jovem negro é visto ainda: como uma ameça, um possível usurpador do seu direito de andar livremente entre os causasianos ou de lhe tirar a vida. É verdade que os presídios brasileiros têm mais negros a brancos. Embora a população negra no Brasil seja da ordem de quase 50%¨. Há uma razão histórica e social para isso, inclusive, que passa pela exclusão da comunidade negra.
Sim, eu já fui preconceituosa. Já chamei de piriguete mulher de roupa curta. Eu já usei o termo "favelada" em tom pejorativo a me referir a terceiros sobre uma garota negra e fã de funk, moradora da periferia de São Paulo, apenas por ciúmes do meu namorado. Envergonho-me dessas atitudes que muitos ainda trazem no cotidiano, embora estampem outra retórica.
Sim, eu já fui preconceituosa. Já chamei de piriguete mulher de roupa curta. Eu já usei o termo "favelada" em tom pejorativo a me referir a terceiros sobre uma garota negra e fã de funk, moradora da periferia de São Paulo, apenas por ciúmes do meu namorado. Envergonho-me dessas atitudes que muitos ainda trazem no cotidiano, embora estampem outra retórica.
Sei também que essas coisas são difíceis de serem rompidas e por isso mesmo devemos perseguir por esse rompimento. Meu
avô, filho de mulata, rechaçava negros e fazia piada sobre eles. Ele era uma
boa pessoa, mas reproduzia sem dó o discurso que a sociedade apregoava e do qual ele mesmo era vítima.
Assim, cresci achando que meu “cabelo era ruim” por ser cacheado (eu ainda o mantenho liso). Cresci achando que usuário de droga ("maconheiros da esquina do bairro", como dizia minha avó) deveriam ser presos e pertenciam a uma casta inferior.
Eu, que nasci pobre, desmerecia a pobreza e suas manifestações culturais e a violência que advém de toda a estrutura. E sei, por isso mesmo, que cabe a nós um esforço para romper esses padrões aprendidos na criação familiar.
Assim, cresci achando que meu “cabelo era ruim” por ser cacheado (eu ainda o mantenho liso). Cresci achando que usuário de droga ("maconheiros da esquina do bairro", como dizia minha avó) deveriam ser presos e pertenciam a uma casta inferior.
Eu, que nasci pobre, desmerecia a pobreza e suas manifestações culturais e a violência que advém de toda a estrutura. E sei, por isso mesmo, que cabe a nós um esforço para romper esses padrões aprendidos na criação familiar.
Nunca fui expulsa de uma loja, mas muitas vezes – mesmo – fui
maltratada por vendedores ou vendedoras. Não sou estereótipo de moça rica. Não
tenho traços finos, não ostento marcas em bolsas (mas uso Melissa no pé, artigo
que, segundo a Folha de São Paulo, é usado pelas “minas” dos rolezinhos). E, admtido, já comprei sem perguntar o preço (e sem precisar de fato do que comprava) apenas porque fiquei sem graça pela possibilidade de pensarem que talvez eu não
pudesse adquirir o produto.
Quando adolescente gostava de ir ao shopping, mas tinha
vergonha de parar defronte algumas lojas. Não era me dado o direito de ver
algumas vitrines. Olhares desconfiados e perguntas feitas por vendedores até no lado de fora da loja me
afugentavam deste universo. Isso porque nos meus rolês dos anos de 1990 eu usava o meu tênis New
Balance. E lojas que me expulsavam eram de marcas das quais se adquiria um produto mesmo com um salário
razoável (não era o Iguatemi da JK). Fui vítima desse preconceito de classe e por isso não consigo deixar de ver a reação como tal.
Hoje, com uma condição econômica bem melhor, sinto-me à
vontade em transitar em qualquer shopping – embora não tenha (vontade e)
dinheiro para adquirir certos bens de consumo. Conta ao meu favor o fato de ser branca (amarelada). Sim, porque estamos diante de um caso de preconceito racial também.
O meu preconceito já teve cor. E ela era negra. Disso me recordo com pesar, assim como não me esqueço daqueles olhares dirigidos a mim quando eu
estava em frente às vitrines no passado. Talvez tenham sido esses olhares – mais do que qualquer
literatura sobre o tema – os verdadeiros responsáveis pela minha empatia aos
rolezeiros de hoje.
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* [Coisas das ciências humanas. Se estivéssemos diante da queda de um prédio, poucos discordariam dos laudos dos engenheiros sobre o tema. Ou, ao menos, dariam mais credibilidade ao assunto.]
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* [Coisas das ciências humanas. Se estivéssemos diante da queda de um prédio, poucos discordariam dos laudos dos engenheiros sobre o tema. Ou, ao menos, dariam mais credibilidade ao assunto.]
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