quinta-feira, abril 11, 2013

O som do oco




Passado o susto inicial da descoberta da infestação, decidiu não mais pensar nas aranhas. Havia desistido de providenciar o detefon mata-tudo, não porque o slogan era ruim (tinha baforado o inseticida tantas vezes e continuava viva que desconfiava da eficiência do seu enunciado). Um pesadelo com sapos e braços mutilados, costurados por teias por humanizadas e bondosos aracnídeos fizeram ela se afeiçoar aos artrópodes de seu quarto. E se estivessem lá para salvá-la? 

As aranhas a tinham levado pelo jardim secreto do oco do seu peito, e isso bastaria para uma redenção.  Sem elas jamais teria percebido esse rombo e já se afeiçoara ao barulho transpondo esse suposto vácuo. “VVvvviiiiiiiim”, era o som desse zunido constante que ricocheteava do seu cérebro para o ouvido e do ouvido para fora. Era a trilha sonora de seu pensamento e pensou: este é o barulho do nada, de quem não tem algo algum obstruindo sua caixa torácica do sentimento. “Vvvvviiiim”. Começou a gostar deste conjunto peito-vazio-mente-liberta-oco-onomatopéico, e a dele se afeiçoava aos poucos. Não queria mais que aranhas tapassem o vazio com sua teia. Viveriam cada qual em paz, em seu canto. Seu oco não era mais vazio. Seu corpo era agora um instrumento musical.

segunda-feira, abril 08, 2013

O oco das aranhas


Para minha amiga Marpessa de Castro
                                            

Havia muitas pequenas aranhas em seu quarto e hoje ela prestava mais atenção nelas a qualquer outro dia. Começaram como uma presença quase invisível, notada apenas pela poeira acumulada sobre as teias translúcidas. Aos poucos, foram ficando mais evidentes, como se não precisassem se esconder mais. As aranhas tinham perdido a timidez e agora suas pernas finas e corpos arredondados e pequenos faziam parte do seu cenário cotidiano.

Era nelas que pensava antes de dormir, e isso parecia preencher o oco descoberto recentemente no seu peito. Foi olhando para as aranhas, tão redondinhas, e nos filhotes que deviam carregar – porque se alastravam feito mamíferos lagomorfos pelo teto da casa – que ela teve sua epifania. “As aranhas parecem estar sempre cheias em seu interior. Eu estou vazia como o vento”.

A constatação de viver com um oco dentro de si a impedia de escrever qualquer crônica mais bem elaborada. Não podia falar de amor, com esse recôncavo dentro de si, e nem sobre a morte de Margareth Thatcher – de quem por razões estranhas temia quando criança, por causa do apedido “Dama de Ferro”, possivelmente.

Não poderia nem falar sobre artrópodes com propriedade, pois não era bióloga tampouco aracnológa. O que sabia sobre as aranhas tinha aprendido com Dona Lina, sua professora de Ciências, ou nas pesquisas da Wikipedia.

Constatou ser bobagem escrever sobre aranhas, pelo desconhecimento das espécies, mas o tema lhe parecia mais interessante a falar do seu peito oco. Imaginou porque tinha ficado assim, talvez seu interior não fosse vazio, mas cheio de teias empoeiradas de quem fez abrigo por lá. Possivelmente lhe faltava poeira para ver como estava cheio de vida, como ocorreu com as aranhas de seu quarto. Na velhice haveria de descobrir. Até lá, deixaria as janelas do peito abertas para o vento.