segunda-feira, janeiro 27, 2014

Grammy premia autores de música antiostentação



Em tempos de rolezinho marcados pela exaltação aos bens de consumo da elite, compositores de canções que vão na contramão da música da ostentação - popularizada nos últimos anos pela indústria do entretenimento - levaram para casa um total de quatro Grammys, o maior prêmio da música norte-americana.

Além das estatuetas recém-adquiridas, o duo de rap Macklemore & Ryan Lewis e a neozelandesa Lorde têm em comum  canções que exaltam a simplicidade e a antiostentação.

ThriftShop (em português, "Brechó"), deu a Macklemore & Ryan Lewis o prêmio de  melhor perfomance de rap. O álbum "The Heist" - no qual está Thrift Shop - foi consagrado como o melhor do gênero.

Na letra, Thrift Shop faz pouco caso dos usuários de marcas famosas e do gasto despendido com roupas. "Cinquenta dólares por uma camiseta? / Chamo isso de ser enganado e abusado, droga/ Chamo isso de ser enganado por um negócio/ Essa camiseta é muito cara e ter uma igual a de outras seis outras pessoas nessa boate não dá / Olhe só, venha dar uma olhada através do meu telescópio. Está tentando pegar garotas por causa de uma marca?/ Cara, então você não pegará", canta a dupla.

Fenômeno semelhante é criticado pelo single "Royals" (Realeza, em português)da cantora neozelandesa Lorde. A música deu à jovem de 17 anos duas estatuetas: a de melhor canção do ano e a melhor apresentação pop solo.

 Lorde: da realeza ou da simplicidade?

Na canção, a jovem de 17 anos desconstrói o mundo de luxo popularizado nos últimos anos no entretenimento pop, como um desabafo de quem está cansada de ter como busca os bens de consumo.
"Mas todo mundo só fala de champanhe, carrões/ Diamantes em seus relógios/ Jatinhos, ilhas, tigres em coleiras de ouro/ Nós não ligamos /Não estamos envolvidos no seu caso amoroso", diz a letra da canção premiada, que segue com uma afirmação: "E nunca seremos realezas/ Isso não corre no nosso sangue. Esse tipo de luxo não é pra gente/ Nós desejamos outro tipo de agitação".

A popularidade de ambas canções apontaria um novo caminho para a música, pela busca do mundo mais simples, ou talvez a esta bandeira anticonsumista seja apenas mais uma apropriação da indústria do reconhecimento por esse mercado?
 


Música antiostentatção, ouro no peito. A nova cara do mainstream.
 
  
Lembremos que esta indústria é a mesma que premia álbuns como “Watch the Throne”, de JayZ e Kanye West - saturada por referências à riqueza em letras que exaltam marcas como a francesa Hermés (no “Rap de luxo") e Gucci. Recordemos ainda que a cantora Lorde - nascida Ella Maria Lani Yelich-O'Connor - assumiu o nome artístico supostamente por admirar a realeza que ela critica em Royals. E que as correntes grossas de ouro também estejam no peito de Macklemore.
Estratégia de marketing ou saturação da sociedade de consumo, as músicas premiadas pelo Grammy apontam que, talvez, os rolezinhos e os reis da balada não sejam mais populares no mainstream em um futuro próximo. Como cantou John Lennon em Imagine, “você pode dizer que eu sou um sonhador. Mas eu não sou o único”. Ao menos neste ano, o júri do Grammy parece concordar.

sexta-feira, janeiro 17, 2014

Eu, rolezeira e preconceituosa



Li vários artigos, favoráveis e contrários aos “rolezinhos” nos shoppings, assunto que como tantos outros nasce meio desgastado nas redes sociais. Nesta leva, há textos muito contundentes como o da antropóloga Rosana Pinheiro Machado, que não caiu de paraquedas no assunto porque é uma estudiosa do tema (funk, periferia) há muito tempo .

Aliás, essa é uma das mazelas da democracia nas redes sociais: a análise pela análise, a crítica superficial. De repente, todo mundo entende de tudo e tem opinião sobre os assuntos. E, nessa leva, muitas vezes os especialistas são rechaçados e classificados como marxistas ou esquerdistas. Foio que ocorreu com o texto da antropóloga, criticado pela Veja.*


Não sou especialista em consumo – embora tenha sido orientada no Mestrado por um estudioso do tema, Waldenyr Caldas, professor da ECA-USP e autor de livros como Temas da Cultura de Massa, Música, Futebol e Consumo”. Talvez gente como esses acadêmicos possam explicar melhor este fato social – que não é inédito e não nasceu politizado como crítica social, mas tem muito a dizer sobre a nossa sociedade do consumo.



Apropriar-se dos ícones do consumo não é coisa nova. Mas, de fato, a ascensão da classe C, o aumento do poder aquisitivo do brasileiro mais pobre nos últimos anos e as redes sociais tornaram este fenômeno mais visível. Ostentar bens de consumo sempre foi, na sociedade capitalista, uma forma de manter o status quo e de pertencer a um determinado grupo. E os adolescentes nos shoppings de São Paulo não são diferentes dos jovens da escola do meu filho, que levam seus smartphones de última geração para a sala de aula. Tampouco é novidade a crítica a apropriação dos bens das classes "superiores" pelas "inferiores".

Lembra-se da gritaria dos donos de IPhone quando o Instagram foi liberado para outras plataformas? Temia-se, em alguns estratos (os donos de IPhone), uma Orkutização – neologismo este que também surgiu associado à invasão dos jovens pobres ao Orkut. Enquanto deveríamos comemorar a inclusão digital, não?



Eu admito: é difícil manter-se distante do preconceito. Em várias ocasiões me deparei com minhas próprias atitudes preconceituosas. Eu já atravessei a rua ao ver um negro de boné vindo na minha direção à noite. Família, sociedade e a mída me ensinaram isso e a menter-me longe "do perigo". Porque é assim que o jovem negro é visto ainda: como uma ameça, um possível usurpador do seu direito de andar livremente entre os causasianos ou de lhe tirar a vida. É verdade que os presídios brasileiros têm mais negros a brancos. Embora a população negra no Brasil seja da ordem de quase 50%¨. Há uma razão histórica e social para isso, inclusive, que passa pela exclusão da comunidade negra.

Sim, eu já fui preconceituosa. Já chamei de piriguete mulher de roupa curta. Eu já usei o termo "favelada" em tom pejorativo a me referir a terceiros sobre uma garota negra e fã de funk, moradora da periferia de São Paulo, apenas por ciúmes do meu namorado. Envergonho-me dessas atitudes que muitos ainda trazem no cotidiano, embora estampem outra retórica.

Sei também que essas coisas são difíceis de serem rompidas e por isso mesmo devemos perseguir por esse rompimento. Meu avô, filho de mulata, rechaçava negros e fazia piada sobre eles. Ele era uma boa pessoa, mas reproduzia sem dó o discurso que a sociedade apregoava e do qual ele mesmo era vítima.

Assim, cresci achando que meu “cabelo era ruim” por ser cacheado (eu ainda o mantenho liso). Cresci achando que usuário de droga ("maconheiros da esquina do bairro", como dizia minha avó) deveriam ser presos e pertenciam a uma casta inferior.

Eu, que nasci pobre, desmerecia a pobreza e suas manifestações culturais e a violência que advém de toda a estrutura. E sei, por isso mesmo, que cabe a nós um esforço para romper esses padrões aprendidos na criação familiar.



Nunca fui expulsa de uma loja, mas muitas vezes – mesmo – fui maltratada por vendedores ou vendedoras. Não sou estereótipo de moça rica. Não tenho traços finos, não ostento marcas em bolsas (mas uso Melissa no pé, artigo que, segundo a Folha de São Paulo, é usado pelas “minas” dos rolezinhos). E, admtido, já comprei sem perguntar o preço (e sem precisar de fato do que comprava) apenas porque fiquei sem graça pela possibilidade de pensarem que talvez eu não pudesse adquirir o produto.

Quando adolescente gostava de ir ao shopping, mas tinha vergonha de parar defronte algumas lojas. Não era me dado o direito de ver algumas vitrines. Olhares desconfiados e perguntas feitas por vendedores até no lado de fora da loja me afugentavam deste universo. Isso porque nos meus rolês dos anos de 1990 eu usava o meu tênis New Balance. E lojas que me expulsavam eram de marcas das quais se adquiria um produto mesmo com um salário razoável (não era o Iguatemi da JK). Fui vítima desse preconceito de classe e por isso não consigo deixar de ver a reação como tal.
Hoje, com uma condição econômica bem melhor, sinto-me à vontade em transitar em qualquer shopping – embora não tenha (vontade e) dinheiro para adquirir certos bens de consumo.  Conta ao meu favor o fato de ser branca (amarelada). Sim, porque estamos diante de um caso de preconceito racial também. 

O meu preconceito já teve cor. E ela era negra. Disso me recordo com pesar, assim como não me esqueço daqueles olhares dirigidos a mim quando eu estava em frente às vitrines no passado. Talvez tenham sido esses olhares – mais do que qualquer literatura sobre o tema – os verdadeiros responsáveis pela minha empatia aos rolezeiros de hoje.

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* [Coisas das ciências humanas. Se estivéssemos diante da queda de um prédio, poucos discordariam dos laudos dos engenheiros sobre o tema. Ou, ao menos, dariam mais credibilidade ao assunto.]