terça-feira, fevereiro 26, 2013

No passinho da visibilidade



De muitos fenômenos recentes da internet, um despertou minha curiosidade por reunir tantos significados. No Passinho do Volante criado pelos jovens da comunidade carente em Niterói (RJ), despi meus preconceitos e admito publicamente: gosto realmente da iniciativa de MC Federado e seus Lelekes.

Com gestualidade simples e o refrão grudento “ah, lelek, lek lek lek”, eles conquistaram mais de 30 milhões de visualizações no Youtube do vídeo gravado de forma caseira na comunidade Coronel Leôncio, no bairro da Engenhoca, onde vivem. Para produzi-lo, eles convidaram os vizinhos e investiram R$ 70 numa churrascada coletiva. Quem foi à festa, dançou para a câmera de um tablet de um amigo, em troca da confraternização. Crianças, adultos, gordos ou magros estão lá, mostrando ao mundo o tal Passinho do Volante, em meio à vielas e até sobre uma Kombi abandonada.

O sucesso mudou a vida dos quatro jovens – de 18 e 19 anos – que passaram a excursionar pelo Brasil com o hit único. Pela internet, chegaram aos ouvidos e rádios de todas os estratos sociais. Neymar e Anderson Silva, personalidades que como eles emergiram da periferia, são fãs dos “lelekes”, um trocadilho para “moleque”, equivalente ao “piá” paranaense.

E onde está o diferencial do funk do lek, lek? Arrisco-me dizer que o hit pegajoso é um dos marcos que provam como o acesso à informação pode contribuir para a sociedade. Sem descambar nas letras de alusão ao sexo, o funk inocente deu voz e imagem aos invisíveis, que ganham contornos também graças à ascensão social recente de nosso país, que lhes garantiu acesso à web e aos bens de consumo.



  
Pela mesma rede que lhes deu visibilidade, é possível confirmar a importância daqueles jovens para a imagem do bairro. Uma simples busca pelo Google sobre Coronel Leôncio revela como o fenômeno acaba sendo um contrapeso para o noticiário da violência local. Dos cinco resultados principais, três relatavam execuções a tiros, enquanto dois apresentavam matérias sobre o sucesso de MC Federado e seus Lelekes.
Nas entrevistas, os jovens dizem que pretendem continuar na Coronel Leôncio, mesmo que venham a ganhar o suficiente para deixá-la, e investir em moradias melhores para suas famílias. Só depois é que vem o volante, sonho de consumo da maioria dos jovens, invisíveis ou não.

Meu texto publicado originalmente nesta data no Caderno 2 da Gazeta do Iguaçu: http://www.gazeta.inf.br/2013/02/26/no-passinho-da-visibilidade/

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