quinta-feira, maio 08, 2014

De onde eu vim

Ana Maria, minha mãe, eu e vovó, em 2013
 

Minha avó Mariana nasceu há 84 anos em uma cidade pequena de Minas Gerais. Cinco anos depois, ela perdeu a mãe, de quem se lembra apenas pelos longos cabelos escuros caídos da mesa até o chão no dia de seu velório. Ela também não sabe a causa da morte de Rosalina, nome da minha bisavó. Nem sabe porque o pai a deixou com sua madrinha de batismo – dona de uma rica fazenda em Itanhandú (MG), em vez de cria-la com outros irmãos.

Uma vez, ela me disse sobre este episódio: a vida era dura naquele tempo, ele não tinha posses para cuidar de todos os filhos. Marianinha, alcunha apropriada à minha vozinha, cuja altura não excede 1,50 metros, se criou na fazenda, sem mãe, pai ou parentes de primeiro grau. Lá, ela foi mordida por um macaco que arrancou um pedacinho de sua mão – trauma levado para a vida inteira, assim como a mágoa de ter sido chamada de “Maria Mijona” por fazer xixi na cama até a adolescência (problema que eu também carreguei até meus 14 anos).

As crianças faziam fila atrás de Mariana porque a madrinha a mandava colocar o colchão no sol mesmo diante da criançada.

Naquela época, era chique estudar no Rio de Janeiro e era para lá onde iam os filhos naturais da dona da fazenda. Minha avó não foi para lá: na fazenda, cursou até a quarta série, fato que não a impediu de desenvolver uma habilidade tremenda com os números – comerciante na vida adulta, ao lado do meu avô, ela sempre foi boa de contas.

Dona Mariana me ajudava com as contas da escola, quando eu era criança e passava a maior parte da minha vida enrabichada na saia da minha vó. Foi assim que aprendi tantas histórias, como a do macaco, do xixi na cama, as lendas de assombração da época, os percalços pelos quais passava já mãe de quatro filhos com as incontáveis mudanças – de Minas para São Paulo, na capital de um bairro para outro e de lá para Jacareí (SP), onde eu nasci bem depois.

Minha avó não gosta de sítios e é um esforço para ela ficar mais de um dia na casa do seu filho mais velho, Edson, nascido no ano em que ela casou, aos 16 anos. Meu avô Acácio – cinco anos mais velho, era filho de empregada e tutor das crianças mais novas na fazenda. Há 20 anos, ele nos deixou vítima de um infarto fulminante, e Dona Mariana perdeu seu companheiro da vida toda.

Há algum tempo, pensava eu que sua vida era só de lutas e restrita a um mundo muito pequeno, girando em torno dos comércios pequenos da família – já encerrados – ou da criação dos quatro filhos, que lhe renderam sete netos e 11 bisnetos.

No último dia 30, Mariana Rosa Guimarães – minha vó e segunda mãe – fez aniversário. Liguei para parabenizá-la, já que moramos a 1.300 km de distância. Por telefone, perguntei: “vó, qual seu sonho? O que você quer fazer e ainda não fez?” Com sua voz fininha e em tom muito animado, ela me respondeu: "Nada. Só quero todos vocês felizes e com saúde. Tenho tudo".
Neste momento entendi que apesar de parecer tão poucas suas ambições, seu projeto de vida parece ter dado certo. Obrigada, vó. Nesta semana das mães, meu amor é para você.

Stela Guimarães é jornalista, mestre em Comunicação pela ECA-UPS e tem orgulho do seu sobrenome, herdado de seus avós maternos, Acácio e Mariana, a quem dedica esse texto.


Publicado originalmente na Gazeta do Iguaçu. http://www.gazeta.inf.br/pdf/p0705/#p=21

4 comentários:

Maria disse...

Stela... que lindo o texto!!!
me emocionei demais...
lembrei de minha avó.. e os percalços da vida!!!!

um grande beijo!!!

Stela Guimarães disse...

Muito obrigada, Margo! Grande beijo pra vc.
<3

Re Vitrola disse...

Ai que texto mais lindo, mana Stela! Emocionei aqui... e é exatamente assim. às vezes, pelo nosso estilo de vida, pensamos que todas as pessoas tem as mesmas necessidades que nós, mas não é bem assim. Cada qual tem seus desejos, ambições... e o fato de serem diferentes dos nossos não são menores, ou menos valioroso. Amei e me fez refletir.

Um beijo,
Re

Re Vitrola disse...

valioso*