terça-feira, março 25, 2008

Pecados íntimos




A surpresa é sempre inversa à expectativa e a equação é aritmética: quanto maior a ansiedade, menor o impacto positivo das ações.
Quando 'Pecados Íntimos' (originalmente Little Children, em inglês), do diretor Todd Field, estreiou nos cinemas, o cartaz com a semi nudez de Kate Winslet levou-me a uma certa atração pelo filme. Não que eu tivesse qualquer expectativa de vê-la em situações pouco ortodoxas, mas admiradora da atriz, pensei: pra fazê-la tirar a roupas depois de Titanic, só mesmo um bom roteiro (e espero que ela não me decepcione nas próximas empreitadas).

Acabei não vendo 'Pecados Íntimos' no cinema por um motivo qualquer que não me lembro agora. Diante da prateleira lotada da locadora às vésperas do último feriado, não tive dúvida e levei o DVD pra casa.

Não esperava nada além de um filme mediano até a entrada do narrador. Sou fã do estilo narrativo e nada melhor que uma terceira pessoa para nos dar luz aos sentimentos alheios (penso como seria legal narrar a vida de alguém, mas aí seria outro filme, Mais estranho que a ficção). Talvez meu gosto resida no meu gosto pela literatura e pelo realismo fantástico de Garcia Marquez.

'Pecados Íntimos' acabou como uma grata surpresa. Seja pelo texto denso e revelador ou simplesmente pela possibilidade de nos arremessar diante do que temos não de belo, mas de feio, repugnante e, ao mesmo tempo, de mais humano.

O leitmotiv do filme costura em um único drama a vida dos personagens: o playground é o pano de fundo para as ‘pequenas crianças’ do filme. A castração --tema tratado em princípio como se estivesse solto-- ganha contornos metafóricos importantes, que culminam com um fim inesperado e preciso.

O filme mostra uma sociedade um tanto amarga, porém factível, desses adultos embevecidos pela síndrome de Peter Pan: os que crescem mas continuam procurando sonhos e têm dificuldade para encarar a rotina cinzenta a que a vida adulta muitas vezes impõe. Não há personagem perfeito no filme: a mãe infiel e até negligente, o marido ausente, os dramas sexuais, a criança rebelde, o policial arrependido.

A carência que leva à infidelidade daqueles que somente buscam apenas um pouco de emoção em suas vidas mornas: a busca do prazer encarado com a satisfação do recém-nascido levado ao seio da mãe. Todos são pecadores e sofrem a penitência de suas escolhas ou prostações. E o pedófilo exibicionista não é pior do que a sociedade que lhe expurga: ele é parte indissociável da comunidade onde vive e, em vários momentos, vítima dela tanto quanto as suas.

E as poucas cenas de sexo que justificam a nudez de Winslet no cartaz são fortes não pela óbviedade. Elas são de uma tristeza quase funesta --resultado de dois 'amantes' que não se amam, mas encontram um no outro o consolo para vidas monocromáticas.

Apesar de sua linearidade, 'Pecados íntimos' poderia ter sido dirigido por Iñarritu (De Babel, Amores Brutos e 21 gramas). Porque incomoda e faz com que algo mude em você. E ainda que traga à tona questionamentos sobre desejos ocultos ou facetas menos nobres da personalidade humana, ele merece ser visto e revisto e 'resenhado'. Para nos colocar de frente ao espelho que muitas vezes preferimos cobrir com pano branco.

Little Children, EUA, 2006. Direção de Todd Field. Roteiro de Todd Field e Tom Perrota. Com Kate Winslet, Patrick Wilson, Jackie Earle Haley, Jennifer Connelly, Noah Emmerich, Gregg Edelman, Phyllis Somerville, Helen Carey, Mary B. McCan e elenco. Duração 130 minutos. Site oficial: http://www.littlechildrenmovie.com/

3 comentários:

Ju disse...

Te achei! Agora virei sempre... Beijos e mais beijos, garota do coco dourado!

André disse...

eu vi esse filme no cinema! Numa daquelas sessões sem planejamento, de entrar na sala só pelo cartaz! hehehe

Sinceramente não consigo me lembrar de muita coisa da película. Gostei da atriz, que está bem melhor que uma simples Rose.

Gostei mais da sua crítica. Mega empolgada. Deu gosto de ver sua alegria em escrever sobre.

:)

José Renato Salatiel disse...

Quando esse filme saiu em DVD, a Fran quis alugar. Não me interessei nem um pouco e, por precaução, aluguei um blockbuster qualquer. Mas, num sábado à toa, resolvi fazer companhia e assistir com ela o tal filme. Surpresa! Um puta filme! Adorei sua análise, Satela! Bjs.