sexta-feira, janeiro 23, 2009



Ela decidiu que escreveria uma carta, muito embora ficasse receosa quanto ao fato. Pensava: palavras colocadas no papel não se desmancham ao vento e parecem dar importância maior a qualquer fato.

Provavelmente, era mais uma daquelas coisas geradas na infância, mas pequenas demais para serem abordadas com o terapeuta.
Uma vez, tomara uma advertência por escrito de seu professor de matemática da sexta série. Ele costumava falar pouco e nos dias de prova passava de carteira em carteira batendo os dedos indicadores e anulares nas mesas dos alunos: um som baixo, mas absurdamente ensurdecedor. Um dia, numa dessas andanças, o professor alto, magro e careca, de feições quase rudimentares, deixou-lhe um bilhetinho ao lado da prova, sem dizer nenhuma palavra em voz alta: “se copiar do colega, coloco você pra fora”. E ela não estava copiando nada, apenas distraiu-se com uns pássaros coloridos do outro lado da janela. Naquele dia, voltou triste para casa. “Era honesta demais para copiar!”, repetia a si mesma. Sentiu-se injustiçada. Foi ali que aprendeu que palavras escritas doem mais.

Passados 20 anos, ela tinha em mãos o papel e a caneta azul e um tanto falha. Passou mais de uma hora pensando no professor e intercalando lembranças do passado distante com as mais recentes, vividas com aquele que havia tomado parte dos seus pensamentos nos últimos dias.
Ela procurava uma forma de começar tal carta, mas nada lhe saía: nenhuma palavra para preencher a letra cursiva e pouco inteligível que desenvolvera ao longos dos anos.

Olhou para fora e viu uns pássaros coloridos pousados na copa da árvore visível da sua sala de estar. E foi assim que a carta virou um bilhete. Nele, resumiu a sensação tão corrosiva, uma mescla de saudade e mágoa, felicidade e dor. Voltando-se ao papel, escreveu:

“Se não aparecer mais, coloco-te pra fora do meu coração”.

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