terça-feira, abril 25, 2006

Ordinary Life is Pretty Complex Stuff*



Nem Super Man, Batman, Robin ou Lanterna Verde. O herói ou melhor, o anti-herói, como sugere o título em português, dessa história atende pelo nome de Harvey Pekar, cuja vida inspirou o filme American Splendor, ou o Anti-Herói Americano, no Brasil, lançado em 2003 pela HBO Films.

Elevado ao posto de celebridade graças ao relato de sua vida supostamente sem graça no gibi de mesmo título do filme, o arquivista aposentado de um hospital de Cleveland foi ‘descoberto’ em meados da década de 70 pelo amigo Robert Crumb, famoso desenhista e criador do personagem “Fritz, The Cat” responsável pelas primeiras ilustrações do arquivista que apesar de criativo não dispunha de talento artístico “traçar uma única linha reta”, segundo ele próprio.

Desde o seu lançamento, o gibi American Splendor recheado do azedume de Pekar diante da vida foi aclamado pela crítica americana e suas edições chegavam a esgotar nas prateleiras das lojas.

O sucesso residia justamente em demonstrar o fracasso de sua vida sem maior pretensão além de imprimir a marca peculiar de seu humor azedo e desencanto em relação ao sistema político e à própria existência por meio de um retrato ‘em preto e branco’ do seu cotidiano de ‘pessoa comum’.




Dono de um romantização às avessas, a história de Harvey é a do próprio com a do personagem ilustrado nos seus gibis. É parte da indústria cultural e sabe ter sido explorada por ela –principalmente pelas mãos de David Letterman, com quem dividiu as atenções, na pele de entrevistado (pago pela emissora NBC) do famoso talk show Night Life.

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Depois de escrever achei essa crítica muito mais aprofundada
Dessa forma, transformado em ícone do anti-herói, nunca deixou o emprego de funcionário público mesmo quando, depois de nove edições de seus gibis, começou enfim lucrar com o trabalho literário.

A produção –e é claro, as idéias azedas do criador de American Splendor—, estão presentes no filme que mescla o tom documental e ficcional/dramático, com direito a quadrinhos animados e a participação ativa de Pekar, responsável pela narração de si mesmo, vivido na ficção pelo competente ator Paul Giamatti (de Sideways, entre outras).

A exemplo de seu protagonista, o filme acabou à margem do circuito comercial dos cinemas, embora esteja disponível nas locadoras. Já os livros e gibis ainda não estão disponíveis no Brasil (se alguém achar, avise-me, por favor). Nos Estados Unidos, a antologia de American Splendor pode ser encontrada por U$ 18,75 no site oficial do autor, http://www.harveypekar.com.

“Before we get started with any of this you might as well know I had vasectomy”

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PRA QUEM GOSTOU, RECOMENDO A CRÍTICA DO CINEMA EM CENA,
relacionada abaixo.

Anti-Herói Americano - American Splendor, 2003

Dirigido por Shari Springer Berman e Robert Pulcini. Com: Paul Giamatti, Hope Davis, James Urbaniak, Earl Billings, Harvey Pekar, Judah Friedlander, Toby Radloff, Donal Logue, Molly Shannon e Daniel Tay.

'Por que todo mundo tem que ser tão idiota?', pergunta o jovem Harvey Pekar logo no início de Anti-Herói Americano, estabelecendo, de imediato, a mal-humorada visão de mundo que o acompanhará por toda a vida e que irá inspirá-lo a roteirizar Esplendor Americano, uma série de revistas em quadrinhos que se tornou sucesso entre o público underground e que deu origem a este filme.

Escrito pelo casal Shari Springer Berman e Robert Pulcini (que também divide a direção), Anti-Herói Americano é um fascinante estudo de personagens que não se preocupa em narrar uma história com trama bem definida e que tenha começo, meio e fim. Não, nada disso: aqui, a única reviravolta que acontece é a própria passagem do tempo e sua ação sobre os protagonistas: um bando de indivíduos cínicos e desesperançados cujo desprezo pelas demais pessoas só perde, em intensidade, pelo desprezo que sentem por si mesmos. Não é à toa que, ao olhar para o próprio reflexo em um espelho, Pekar constata: 'Esta (sua aparência) é uma decepção com a qual eu sempre posso contar'.

Incapaz de traçar sequer uma linha reta, Harvey Pekar (o verdadeiro) entregava seus roteiros para que diversos desenhistas os ilustrassem - e, como conseqüência, cada edição de Esplendor Americano trazia uma diferente versão do protagonista (o próprio autor), que poderia variar entre 'um jovem Brando e um macaco peludo'. Pois uma das grandes virtudes desta releitura para o Cinema deve-se justamente à fidelidade do roteiro a esta constante mutação do (anti) herói: apesar de ser interpretado por Paul Giamatti, é Pekar quem narra o filme, chegando a comentar a diferença: 'Aí estou eu... ou melhor, o cara que está me interpretando e que não se parece nada comigo'. Aliás, o longa vai além, e chega até mesmo a exibir cenas de 'bastidores' que trazem os atores ao lado dos 'personagens' que representam.

Mas não é só isso: além de contracenar com o verdadeiro Pekar, Paul Giamatti também divide algumas cenas com a versão em quadrinhos do mesmo - e, em certo momento, assiste a um espetáculo teatral no qual o sujeito é vivido por outro ator, Donal Logue. Com isso, Anti-Herói Americano se transforma em um filme auto-referencial e com várias camadas de realidade e ficção, que se entrecruzam de maneira inteligente e dinâmica (há uma cena na qual a atriz Hope Davis, que vive a esposa do protagonista, assiste a uma entrevista concedida por este a David Letterman - e como uma imagem de arquivo é utilizada pelos diretores, cria-se a inusitada circunstância em que a versão fictícia da esposa ultrapassa o limite entre a fantasia e a realidade e consegue enxergar o verdadeiro Harvey Pekar).

No entanto, em vez de comprometer a experiência do espectador ao 'retirá-lo' do filme, quebrando a ilusão do Cinema, o filme acaba se beneficiando com o recurso, que confere ainda mais dimensão aos personagens e transforma o longa em uma combinação fluida de documentário e ficção (ao contrário do recente 1,99 - Um Supermercado que Vende Palavras, que escapa de ambos os gêneros). Além disso, a estupenda performance de Giamatti intensifica ainda mais este efeito, já que suas expressões corporal (sempre encurvado e desconfortável) e facial (o cenho constantemente franzido e o olhar que jamais encara o interlocutor) convertem o Pekar da ficção em uma visão extremamente fiel do original. E a boa notícia é que o mesmo pode ser dito sobre as atuações dos demais integrantes do elenco - em especial Hope Davis e Judah Friedlander, que encarna o auto-proclamado nerd Toby Radloff.

Não será surpresa alguma, a indicação de Anti-Herói Americano a vários prêmios de relevo - especialmente nas categorias Filme, Direção, Roteiro Adaptado, Ator, Edição e Direção de Arte. Aliás, o único 'defeito'grave que encontrei na produção diz respeito à tradução de seu título para o português: 'anti-herói americano' pode até ser uma definição interessante do papel de Harvey Pekar, mas é romântica demais. Particularmente, creio que a melhor escolha teria sido a tradução literal, Esplendor Americano, cuja ironia certamente não passará despercebida por quem já tiver assistido ao filme.

Seja como for, Pekar deve ter ficado satisfeito com o resultado final. Ele pode até não saber se ainda é uma pessoa real ou se já se tornou um personagem (preocupação que manifesta em certo instante), mas isso não importa: ambos são fascinantes.


19 de Outubro de 2003

3 comentários:

Anônimo disse...

Olha só..fiquei curiosa....acho q faz sucesso pq as pessoas estão cansadas das coisas tão perfeitinhos com seus seres perfeitos.

Stela disse...

É a vida real, né?
O excesso de Hollywood cansa, às vezes...

Stela disse...

por isso sou a clementine...