quarta-feira, agosto 10, 2005

Colcha de retalhos


Pode haver vários motivos para esses meus insights repentinos da infância.

Talvez seja pelo encontro diário e permanente com o universo infantil propiciado pela minha “cria”, hoje com quatro anos de idade. Ou a necessidade –viabilizada pelo ócio criativo -de montar essa colcha de patchwork, que é a própria existência.

Como um ‘deja vù’, as cenas têm vindo claramente à minha memória. De repente, quando menos se espera, puf! Lá estão elas.
Desde que começaram essas cenas já me fizeram entender algumas coisas importantes sobre minha vida. Foi lá, e não no pretérito recente, que achei minha fixação pelas cores. Sempre as tive.

Todas minhas lembranças, mesmo as mais tristes, são extremamente matizadas. Aliás, são elas, as cores, que vêm primeiro à mente.

Lembrei-me, ao acaso, do chão do banheiro da casa de um quarto onde morei até os cinco anos de idade. Gostava daquele piso, rústico, vermelho-terra, em contraste com os azulejos extremamente brancos –fruto da fixação, à época, de minha genitora pela limpeza.

Foi nesse ambiente, durante um banho (já aguçador de minha criatividade), que tive por volta dos quatro anos, suponho, a idéia de um slogan para o já ‘falecido’ inseticida ‘Detefon’. “´Detefon Mata Tudo´ seria legal”.
Anos depois, coincidentemente, minha idéia virou slogan mais popular da marca. Possivelmente, acho que o “Detefon Mata Tudo” passeava em outras cabeças fruto do inconsciente coletivo.

Lembro-me ainda dos lenços usados pela minha mãe para segurar os fios de cabelo ainda pretos também naquele tempo. Havia dois, basicamente. Um azul e outro vermelho.

Naquele tempo, não sei ao certo porquê, sentia uma solidão profunda, quase irreparável. A mesma me acometeu poucos anos depois. Transformei-a então em combustível para uma realidade paralela. Imaginava ser Robison Cruzoé. A ilha era o enorme quintal da minha casa (outra, melhor que a anterior de um quarto apenas). Lá era o meu mundo.
Com pedaços de lençóis velhos –um deles amarelo canário, muito desbotado— montava minha cabana para proteger-me das tempestades da “ilha”. Levava até suprimento para meu refúgio. E quando cansava, dava 30 passos e estava no alento de meu quarto.

Meu fiel companheiro, o gato Fofão, realmente cego de um olho (aproveitava do fato para transforma-lo em pirata), era quem me consolava. Passei algumas tardes cochilando estirada no quintal feito o homem de Leonardo da Vinci com o Fofão deitado sobre minha barriga.

Alheio a minha contemplação das nuvens brancas –facilmente transformadas em barcos que Cruzoé via passar de longe— o felino oferecia seu silencioso companheirismo. Poucos anos depois, Fofão fora assassinado em uma ‘chacina’ de gatos na minha rua. Estava eu tragicamente sozinha.

Intra-uterino
Aos 11 anos, passei quase um mês inteiro de férias na casa dos meus tios, em Poços de Caldas (MG). Tenho lembranças sensacionais dessa época. Desde os desenhos com cola colorida do Clube da Alcoa até o mais prazeroso de todos os passeios: o banho no Termas com água “de vulcão”, como pensava à época (aliás, tinha alguns pesadelos com uma erupção vulcânica soterrando a pequena cidade).

Aquele água liguenta e fétida pode ser repugnante para alguns.
Mas lembro-me bem da sensação de plenitude de mergulhar naquela água amarelada. O líquido enchia até a borda das banheiras marcadas pelo uso contínuo por um fio marrom que ia da torneira até o ralo.

Em um desses banhos –enquanto imaginava ser uma dançarina dos anos 30, idéia nascida provavelmente pela decoração retrô das Termas— tive um ‘deja vù’.
Vi-me nadando em um líquido semelhante. Quando abria os olhos, via uma cor avermelhada –como vemos ao ‘mirar’ na direção do sol com as pálpebras ligeiramente fechadas.
Naquele momento tive certeza de ter chegado o mais próximo do calor de 37 graus centígrados do útero materno, deixado para trás no dia 14 de agosto de 1977.

7 comentários:

Anônimo disse...

Faz um bocado de tempo , não? Brincadeirinha... eu mesmo tenho algumas lembranças de minha não tão distante infância... de um dia que estava chovendo e se abriu um arco-íris no céu , do dia que eu acabei por voar em cima do murinho ou quando fingia ser um índio americano(pelo menos a cabana era parecida)e montar minha cabana na sala de casa para assistir a NBA... :D

Bjs!

Anônimo disse...

Ai,ai,ai toda esta história linda, só para não deixar agente esquecer que seu aniversário esta chegando.
VAi ter bolo ai?

Stela disse...

Ah, pra vc é fácil se lembrar da infância. Tá pertinho dela. rs... Pra quem está quase nos 30 é mais difícil.

E obrigada Lika, pelo comentário. O final não era este, mas não custava nada lembrar os amigos sobre o dia 14 DE AGOSTO!!

Anônimo disse...

Stelinha
Pois é, incrível, mas também lembro desse piso do wc, dos lenços da Tia Ana e de todos os detalhes de Poços de Caldas...

Lara

Stela disse...

Lara querida,
É por essas e outras semelhanças que às vezes sinto por termos ficado tanto tempo distantes. E, ao mesmo tempo, feliz por tê-la novamente perto, nessa família que sempre foi tão sua! ;-)

Anônimo disse...

Stela
Esse final de semana me lembrei de mais uma. Acho que foi nessa mesma viagem à Poços: Você cantando Oceano, do Djavan, num restaurante, lembra?
By the way: feliz aniversário!!
Quantos aninhos mesmo?

Bjs

Stela disse...

Oi, Lara.
É, mas essa cantoria poderia ter sido apagada de nossas memórias.
Putz, como era bacana ir pra Poços? Não era só uma viagem. Era mergulhar em um outro universo, não é?
E obrigada pelos votos de felicidade. Agora estou cada vez mais perto dos 30 --28.
Beijos