quarta-feira, agosto 10, 2005

Utopia e Inspiração


Prelúdio
“Acabo de virar as costas e subir os degraus frios de metal. Deixo-o para trás em meio a uma pequena multidão. Em segundos, procuro sua imagem mas ela não está mais lá. Nunca estivera, teria pensado se não fosse pela marca que sua luz deixara em minha pele”.

Puderam, depois de tanto tempo, respirar o mesmo ar. Desta vez, denso pela alta umidade relativa do ar que aos poucos ganhara forma de gotas.
Ainda soltas na atmosfera, estavam as partículas de almíscar, madeira e sândalo que dela cobriam a derme. Havia escolhido o odor com precisão cirúrgica –deveria ser um perfume indefinido, desses que a gente sente apenas uma vez na vida.

Ficara ela confusa. Teria exagerado ao derramar em si a essência escolhida para a ocasião? Afinal, ela própria ficara por horas com o cheiro inebriante colado em suas narinas. Teria ele usado “de seu melhor sentido” para perceber tamanho cuidado da alma feminina? Teria ele pensado que os olhos estavam demasiadamente pintados (apesar de ser uma prática diária) ou ainda, que esla teria envelhecido demais?
Como sempre, ela se culpara pela forma que gastara seu tempo ao lado daquele que fora, de longe, seu companheiro e ao mesmo tempo parecia nunca ter saído de seu lado.
Teria ela, mais uma vez, cometido o pecado de galrear defronte a um ser tão taciturno? Teria ele, por esse motivo, perdido o encanto que ela pensara ser somente literário?
A conversa foi rápida e quase inócua (apesar de dar a ela uma nova possibilidade profissional).

Mesmo com o pouco tempo, fora suficiente para que ela pudesse fitar seu olhar novamente. Não esquecera desse par de globos brancos coloridos por uma íris da cor castanha-amendoada (definição que ela mesmo acabara de criar).

Como se desenvolvessem um R.E.M (Rapid Eyes Movement), ele desviava o olhar cada vez que o assunto discutido em palavras soltas ao vento úmido poderia ter sido grafado em Times New Roman. “Talvez fosse melhor se estivessem grafadas”, pensara ela.
Por três vezes, quase ingênuas, ela tocara em seu corpo, entre um gole de café e outro.

Também fora o suficiente para que sentisse a textura dos pêlos de seu braço –e desejasse que não houvesse entre eles nenhuma barreira além deles (pensamento discorrido sobre efeitos hormonais).

Pode ver como ele gesticulava as mãos, incrivelmente rosadas, postadas sobre a mesa. Pensara naquele momento que essa era a melhor forma de mexer as mãos ao falar –gestos tão comedidos, como todas as mãos masculinas deveriam ser.

Aos poucos, as gotas de chuva foram dando cor aquele momento de separação. Não pareciam ter brotado de um céu cinzento. “Foi uma pena terem surgido tão tarde”, pensara ela.

Quisera vê-las caindo compulsivamente sobre as pálpebras já distantes daqueles olhos que eram os mais doces já vislumbrados em sua efêmera existência.

2 comentários:

Anônimo disse...

O céu, a chuva, um homem e uma mulher conversando. Assim é sua crônica perfumada, pela mistura de perfumes composta pela personagem feminina e principalmente por seus sentimentos...
Para onde vão esses momentos depois que são deixados para trás não só no tempo do relógio, como também no tempo nublado que levava o perfume que ele certamente gostaria de sentir mais vezes?
Dois personagens que se deixaram lado a lado num dia de chuva sem outra intenção que não fosse a de se verem... Acho que dois personagens que se amavam.

Stela disse...

Certamente, cada um do seu modo e em seu mundo...